Sem vergonha do evangelho

Divórcio, novo casamento, papel do homem e da mulher, ministério feminino, disciplina/correção, obediência a pastores, decência, moral e política são assuntos cuja abordagem eclesiástica atual sofreu nítida mutação no contexto moderno.

Estamos assistindo a um esforço de adaptações bíblicas, com “ajustes” da doutrina cristã para colocá-la em diálogo com a cultura e os tempos atuais. Isso, sob o argumento de que não se pode basear o comportamento humano moderno, mesmo o cristão, em uma religião desenhada em uma cultura de dois mil anos atrás.

Por isso, a tendência hoje é realizar interpretações que ajustam a bíblia a padrões modernos e amplamente aceitos pela sociedade. Em vez do texto bíblico afetar o comportamento, é o comportamento que tem afetado o texto bíblico.

Eis, portanto, a principal razão para a igreja aceitar sutis, mas significativas, modificações no “Evangelho de Cristo”. Há quem diga que esses ajustes da visão cristã são necessários porque não se pode manter o arcaico entendimento de Paulo, por exemplo, porque ele vivia em um tempo e em uma cultura completamente diferente da nossa. Por isso, o que Paulo diz em alguns textos específicos não se aplicaria ao nosso tempo e à nossa cultura. Pretender seguir seus conselhos do modo como estão escritos afastaria o homem da igreja e inviabilizaria a evangelização, uma vez que hoje é inimaginável, por exemplo, colocar a mulher em um plano de submissão.

Nesse mesmo sentido, hoje é corrente o entendimento de que “temer a Deus” não é ter medo da possibilidade de seu juízo. Então, temor passou a significar respeito, pois essa é a palavra que melhor se compatibiliza com o “amor de Deus”. A propósito, a própria expressão “amor” já é uma mutação da antiga e eliminada expressão “caridade”. Enquanto o termo original “ágape” apontava para “atitude altruísta”, a releitura moderna faz com que esse termo se limite ao sentimento de ternura e afeição. Assim, a distorção de uma expressão bíblica provoca novas distorções até que tenhamos o moderno “evangelho” onde Deus, que é bom, não deve punir seus filhos, pois isso iria contra a sua natureza. Somente o Diabo, que é mau, pode infligir sofrimentos na vida do homem, mas Deus não, ainda que o homem necessite de correção por seu pecado.

Quando modificamos textos e expressões das escrituras sagradas para amenizar seu conteúdo moral e tornar Deus mais aceitável aos homens, estamos, na verdade, declarando que nos envergonhamos da sua santa Palavra. No fundo, nós também achamos que Deus não deveria ser tão severo em suas expressões, pois o que todos querem é um Senhor que não mande, que não exija, que não proíba e não que condene o pecador. Queremos um Deus que não tenha preferências e que não vá de encontro aos nossos desejos e ambições egoístas e materialistas. Sim, para não parecermos ridículos, temos receio de dizer a uma mulher que Jesus não as escolheu para o ministério. Então, preferimos forçar exercícios de interpretação variados, catando exemplos obscuros daqui e dali, distorcendo algumas realidades para admitirmos algo que Jesus não incluiu em seus propósitos.

Também, parece desumano dizer aos humanistas que Deus odeia o divórcio, que não aprova a tão comum indecência ou a promiscuidade dos jovens e que uma igreja séria deveria ter um pastor com coragem para exercer disciplina em face dos membros que promovem escândalos ou optam por viver deliberadamente no pecado. Como ninguém quer parecer insensível e passar pelo desconforto da reprovação social secularista, esses elementos da doutrina cristã estão em desuso.

Seja qual for a argumentação, o que acontece realmente é que os humanistas e seus adeptos, com seus conceitos morais modernos e acepções do que seria razoável admitir dos religiosos, estão levando as pessoas a se envergonharem do Evangelho de Cristo do modo como foi originalmente apresentado.

Acrescento a esta reflexão com as palavras de T. A. McMahon:

“Envergonhar-se do Evangelho expressa-se por meio de uma série de atitudes diferentes, desde ficar embaraçado com ele até supor que alguém possa melhorá-lo um pouco para torná-lo mais aceitável (...) Exemplos mais sutis incluem tentativas de fazer o Evangelho parecer menos exclusivista, ‘abrandando’ as consequências do pecado, como a ira de Deus e o lago de fogo, das quais o Evangelho de Jesus nos livra.

Prevalece entre muitos líderes religiosos, que professam ser cristãos evangélicos (ou seja, cristãos crentes na Bíblia), a promoção de um evangelho mais aceitável, que possa até mesmo ser admirado pelas pessoas do mundo inteiro. Hoje em dia, a forma mais popular desse tipo de evangelho é conhecida como ‘evangelho social’.”

Portanto, sabendo que Deus não se submete às mudanças culturais e que “Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre” (Hb 13:8), não nos envergonhemos de suas palavras!

“Porque qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos.” (Marcos 8:38 RA)

“Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego;” (Romanos 1:16 RA)

Por: Pr. Sólon Lopes Pereira

Em, 13 de agosto de 2015.