Remando contra a maré

23/04/2013 22:11

 

Desde março deste ano, venho fazendo reuniões com um grupo de pessoas em Vila Velha-ES sem dar ênfase à placa denominacional. Muitos me perguntam sobre como é a Comunidade Evangélica Entre as Nações (CEEN) e quando ela estará definitivamente instalada no Estado e a resposta é sempre a mesma: A CEEN é o que as pessoas que a integram localmente são. E ela estará onde houver pessoas dispostas a pregar o evangelho do reino de Deus, levando homens a se tornarem discípulos de Cristo.

Entretanto, sinto que essa minha resposta deixa as pessoas frustradas. Elas querem mesmo é saber quando colocaremos uma placa em um salão para fazer cultos regulares. Mesmo percebendo tal ansiedade, procuro manter o foco daquilo que acho prioritário. E minha percepção de prioridade remete-me a um modelo diferente do usual.

Para ser mais claro, vou dividir meus esclarecimentos em três tópicos. O primeiro sobre o que é a CEEN, na minha concepção; o segundo sobre o sistema religioso que leva o homem a viver em função de cultos e não em função de ser um discípulo de Cristo; e o terceiro sobre as reuniões que fazemos em Vila Velha-ES.

Sobre a CEEN

A Comunidade Evangélica Entre as Nações, em minha avaliação, tem uma visão religiosa não convencional, pois não confunde os fins com os meios. Ora, penso que toda estrutura denominacional seja apenas o meio para o alcance dos fins propostos pelo evangelho, qual seja: fazer discípulos para Cristo, aptos a receber e habitar o Reino de Deus.

Infelizmente, tenho observado que há muitas pessoas que, hoje, estão fazendo da estrutura denominacional o fim de sua atividade religiosa, usando para tanto, o evangelho como meio para alcançá-lo. Isso mesmo: prega-se a denominação, ama-se a denominação, briga-se pela denominação, sofre-se pela denominação, esforça-se pela denominação, enfim, vive-se pela denominação, como se ela fosse a razão da fé.

A denominação tem ganhado tanta força na vida dos membros que eles se empenham por “ganhar” mais adeptos para a igreja e não para o caminho proposto por Jesus. Alguns gastam mais tempo convencendo o “alvo da pregação” de que sua igreja é muito boa e necessária do que o convencendo que Jesus é muito bom e necessário. Afinal, se o “evangelizado” gostar de Jesus, mas não gostar da sua igreja, todo o seu trabalho ficou perdido... Por isso, há tanto esforço para se convencer o “evangelizado” de que a salvação está ligada à sua denominação, ao seu culto, à sua rotina religiosa...

Sabendo qual o seu lugar, a CEEN, como instituição, tem consciência de que nada é, que nada tem em si mesma e que nada pode realizar fora do enquadramento em que foi posta neste mundo. A razão de sua existência é levar os homens ao conhecimento da verdade e à prática da palavra de Jesus e não simplesmente introduzi-los em um sistema religioso.

Toda liderança na CEEN deve saber que essa estrutura é apenas um instrumento para ser usada por quem quer cumprir os fins do evangelho do Senhor Jesus. Por isso, é essencial que um líder na CEEN seja, antes de mais nada, um discípulo de Cristo.

O que a CEEN tem a oferecer a quem quer trabalhar em prol do evangelho são apenas ferramentas e orientações quanto aos princípios da palavra de Deus. Nesse contexto, um discípulo que quer fazer discípulos para Cristo só precisa se dispor ao trabalho e responder por seus atos diante de Deus e dos homens.

Com essa visão, ninguém precisa defender a CEEN, brigar por ela, amá-la ou viver por ela, pois, como eu disse, a CEEN nada é em si mesma. O fim dela é ser um instrumento para que discípulos de Cristo cumpram com sua missão.

Quem quer conhecer a CEEN deve procurar conhecer a comunidade local e não a instituição, pois esta é apenas um ideal, enquanto as congregações locais são as tentativas de se viver esse ideal.

Assim, uma congregação da CEEN será boa se o grupo que a forma for bom. Será íntegra se o grupo que a constitui for íntegro. Será espiritual se o grupo que a freqüenta for espiritual e assim por diante. Ou seja, a CEEN é o que as pessoas que estiverem ligadas a ela localmente forem. Nada mais.

O discípulo de Jesus e os cultos denominacionais

Uma vez que afirmei que as estruturas denominacionais são meios e não fins da nossa vida religiosa, a essência da denominação cristã, igualmente, não pode ser o seu culto formal.

Sem desprezar os ritos e modelos de reuniões formais e rotineiras no espaço da igreja, creio, sinceramente, que “fazer culto” não deveria ser o principal objetivo de nenhum crente. É claro que reconheço os benefícios de uma reunião formal, nos modelos culturalmente instalados em nosso meio. E para não ser injusto, admito que sempre tenho notícias de que nesses cultos o Espírito de Deus tem operado curas, libertações, sinais e até maravilhas.

Mas, o que me deixa intrigado é que me parece que todo esse poder não tem se manifestado com a mesma intensidade no caráter dos crentes do nosso tempo. Tenho notado que os cristãos confessos estão cheios da unção de Deus, mas cada vez mais materialistas, preocupados em ajuntar tesouros sobre a terra como sinal do quanto são abençoados por Deus. No entanto, tal comportamento não me parece consentâneo com a recomendação do mestre Jesus:

“19 Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; 20 mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; 21  porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.” (Mateus 6:19-21 RA)

Sim, há muita unção espalhada nos cultos que assistimos por aí, mas, curiosamente, tenho a impressão de que os crentes modernos estão mais egoístas, individualistas, vaidosos, soberbos, preocupados com sua auto-imagem e, não raro, desonestos, exploradores da fé e infiéis às suas alianças conjugais. Tenho notado, cada vez mais, que os homens, e até mesmo líderes, estão rompendo com valores antes inegociáveis, como a indissolução do matrimônio.

Foi observando esse quadro que eu parei para refletir sobre o quanto estamos acertando o alvo em nosso modo religioso de ser. Minha conclusão foi: o culto está “uma bênção”, mas em grande medida não está produzindo seguidores dos ensinamentos e exemplos deixados por Jesus, os quais foram observados por Paulo:

“Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo.” (1 Coríntios 11:1 RA)

 “Irmãos, sede imitadores meus e observai os que andam segundo o modelo que tendes em nós.” (Filipenses 3:17 RA)

Também, concluí que reuniões regulares e formais de cunho religioso são boas, mas nem sempre são propícias ao discipulado, de modo que pouco aproveitam aos propósitos do evangelho do reino de Deus. Afinal, o que é mais importante: fazer um bom culto ou ser um bom discípulo de Jesus?

Embora uma coisa não exclua a outra, penso que, por melhor, mais organizado, produzido e perfeito que seja o nosso culto formal, jamais alcançaremos por ele a plenitude do ensinamento e do exemplo de Jesus. O mestre tinha uma mensagem a transmitir aos homens e mesmo com uma rotina cheia de atividades ainda reservava tempo para ensinar seus discípulos, pois tinha em mente o propósito de enviá-los a reproduzir seus ensinos, senão vejamos:

“Daí por diante, passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus.” (Mateus 4:17 RA)

“Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte, e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos;” (Mateus 5:1 RA)

“Ora, tendo acabado Jesus de dar estas instruções a seus doze discípulos, partiu dali a ensinar e a pregar nas cidades deles.” (Mateus 11:1 RA)

“14 Então, designou doze para estarem com ele e para os enviar a pregar 15  e a exercer a autoridade de expelir demônios.” (Marcos 3:14-15 RA)

“1  Tendo Jesus convocado os doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demônios, e para efetuarem curas. 2  Também os enviou a pregar o reino de Deus e a curar os enfermos.” (Lucas 9:1-2 RA)

“E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura.” (Marcos 16:15 RA)

Ante isso, tenho dificuldades em compreender uma denominação que dedica o seu melhor esforço para fazer cultos, deixando o discipulado, o ensino bíblico e o envio de ceifeiros ao campo em plano secundário. Acredito, honestamente, que maior atenção deveria ser dada ao discipulado para a formação de crentes melhores, pais melhores, filhos melhores, cônjuges melhores, empregados melhores, patrões melhores, cidadãos melhores e servos melhores e mais úteis aos propósitos divinos.

Enfim, não creio que fomos escolhidos, chamados e capacitados para vivermos em função de cultos em igrejas. Evidentemente, não desprezo a advertência do escritor da carta aos Hebreus, conforme transcrevo a seguir:

“Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima.” (Hebreus 10:25 RA)

Entretanto, penso que reuniões religiosas são boas, mas é preciso estar atento para não se perder o foco da missão que nos foi dada por Jesus.

Por exemplo: quem vai a cultos rotineiramente para ouvir quase 1h de apresentação de cantores, grupos de louvor e teatros; ouvir uma mensagem de 30m; escutar extensos testemunhos por 20m; ouvir mais uma mensagem sobre ofertas e semeadura por 10m; realizar o ritual dos ofertantes por 10m; e, por último, ouvir mais 20m de avisos sobre as atividades da denominação; cultuou a Deus? Serviu a Deus? Cumpriu com o seu chamado?

Pode até ser, mas me parece que, proporcionalmente, nestas 2h30m, tem-se exíguo tempo para o aprendizado da palavra de Deus. Ao final, conversa-se um pouco com os “mais chegados” e volta-se para a casa com a consciência tranqüila pela sensação de dever cumprido: “fizemos um culto a Deus”...

Permitam-me perguntar: em que esses cultos, formalmente designados, têm influenciado o seu comportamento diário? Em que têm afetado o seu caráter? Em que o tem ajudado a formar um tesouro no céu? Em que o tem constrangido a agir dentro de padrões e princípios bíblicos? Em que o têm estimulado a pregar o evangelho do reino de Deus, segundo Jesus?

Creio que, se nossos cultos formais não estão produzindo mudança em nossas vidas, estamos apenas fazendo “cultos” segundo o padrão religioso e para alimentar o sistema religioso. Estou certo que, se as reuniões não se prestam a confrontar o pecador com o seu pecado e provocar nele o desejo de mudança, não servem para outra coisa a não ser para manter o sistema religioso em pleno funcionamento. Note-se que esse sistema custa caro e quem paga essa conta são seus financiadores, ou seja, membros, frequentadores e visitantes. Por isso, tanto esforço em se fazer cultos cada vez melhores, para satisfazer, cada vez mais, as expectativas de seus financiadores.

Então, temos o seguinte círculo vicioso:

1 - a denominação religiosa faz “bons” cultos;

2 – “bons” cultos atraem e satisfazem os anseios e as necessidades emocionais das pessoas;

3 – satisfeitos, os participantes dos “bons” cultos contribuem financeiramente, atendendo prontamente ao apelo da denominação;

4 – com o dinheiro arrecadado, a denominação prepara mais “bons” cultos...

E assim o sistema é retroalimentado e prossegue funcionando.

Por isso, as pessoas dão tanta importância aos cultos formais das denominações. Alguns participantes desse sistema são levados a crer que servir a Deus é trabalhar pela realização do culto. Outros, que apenas assistem regularmente aos cultos, acreditam que assim se tornam discípulos de Cristo.

Mas, o fato é que, na maioria das vezes o culto apenas faz do homem um bom religioso. E ser discípulo de Cristo exige mais que ser um expectador ou um operário do culto religioso formal. Assim penso.

As reuniões em Vila Velha-ES

Uma vez que tenho restrições quanto ao sistema religioso modernamente implantado nas mentes e corações dos homens, procuro caminhos alternativos para falar do evangelho do Senhor Jesus.

Sei que isso não agrada muito as pessoas. Mas, como agradar as pessoas nunca foi a meta de Jesus, sinto-me confortado mesmo quando não sou compreendido.

Assim, tenho insistido em fazer reuniões que estão bem longe de serem conhecidas como “bons” cultos, mas cujo propósito é promover a reflexão sobre alguns temas bíblicos e desafiar pessoas a centralizarem Cristo Jesus em suas vidas.

É isso que eu tenho procurado fazer em Vila Velha-ES. Quem já foi sabe: o louvor é de baixa qualidade, o “templo” é improvisado em um salão de hotel, não temos obreiros, instrumentistas fixos ou organização digna de um evento religioso moderno. Mas, há um grande esforço para se levar os presentes à compreensão de que devemos ser discípulos de Cristo, seguindo seus passos: andando como Ele andou, amando como Ele amou e entregando-se como Ele a si mesmo se entregou.

Pela graça de Deus, há sempre voluntários dispostos a ajudar.

Que Deus abençoe a todos!

Pr. Sólon Lopes Pereira