Neocatolicismo

Por séculos o catolicismo foi dominante na cultura religiosa brasileira. Deixar essas raízes não é nada fácil. Segundo Augusto Nicodemus, “grande parte dos evangélicos no Brasil tem alma católica”. E tal observação advém das tendências manifestas nas preferências religiosas que hoje se manifestam, entre elas: o gosto por bispos e apóstolos; a ideia de que pastores são mediadores entre Deus e os homens; o misticismo supersticioso no apego a objetos sagrados; e a ideia de que somente pecados sexuais são realmente graves.

Cada uma dessas tendências está devidamente explicada no livro “O que estão fazendo com a igreja: ascensão e queda do movimento evangélico brasileiro” do citado pastor. Neste momento, o que nos interessa é apenas chamar a atenção para o fato de que nossas raízes nos atraem.

O fato é que a atração por misticismo é uma das particularidades marcantes de nossas raízes religiosas e culturais, o que favoreceu, também, o desenvolvimento das religiões africanas e do próprio espiritismo em território nacional.

Quando observamos a grande migração de pessoas das principais religiões africanas, católicas e espíritas instaladas no Brasil para igrejas neopentecostais, notamos que tal fato foi facilitado pela aproximação existente entre elas, uma vez que todas aceitam Jesus como mentor espiritual e, além disso, possuem práticas e rituais semelhantes.

Mas, além da semelhança, os neopentecostais possuem um diferencial decisivo para atrair os fiéis de outros segmentos religiosos -  a permissão irrestrita ao materialismo. Enquanto católicos e espíritas preferem a humildade e o altruísmo como princípios espirituais para a prática cristã, as igrejas neopentecostais incentivam toda sorte de ganância, vaidades e exibicionismos em torno das posses materiais. A generosidade só é incentivada em relação às doações para a igreja, mas com o fator egoísta por trás, uma vez que se dá pensando em receber muito mais em troca do que se deu.

Eis, portanto, a fórmula para o grande deslocamento de pessoas das denominações de tradição católica, africana e espírita para as igrejas neopentecostais: Jesus, misticismo e materialismo.

Interessante notar que algumas denominações evangélicas de origem tradicional e pentecostal foram influenciadas pelo sucesso dos neopentecostais e passaram a adotar diversas de suas práticas. Esses, entretanto, estão regredindo enquanto aqueles estão progredindo, uma vez que o materialismo é um adicional ao que já praticavam. Mas, no final, pairam todos no mesmo lugar. Augusto Nicodemus chama tal movimento de “neocatolicismo tardio”:

“Quando vejo o apego de grandes massas ditas evangélicas às práticas medievais católicas – de objetos ungidos e consagrados para culto a Deus, busca por bispos e apóstolos, recurso a práticas supersticiosas - , pergunto-me se, ao final das contas, o neopentecostalismo brasileiro não é, na verdade, um filho da Igreja Católica medieval, uma forma de neocatolicismo tardio que surge em nosso país onde até os evangélicos têm alma católica. (os grifos não constam do original)

Outra observação a respeito do perfil dos “neocatólicos” é que eles não gostam de ler a Bíblia. É fácil perceber que a maioria das pessoas que se dizem católicas não têm hábito de leitura bíblica. Uma conversa com os católicos que você conhece revelará tal fato. Em sua maioria, os que dizem ler a bíblia com regularidade nunca a leram por completo.

Tal característica se repete no ambiente neopentecostal – até os que dizem que leem a Bíblia com frequência nunca a leram “de capa a capa”. Na verdade, eles se satisfazem com experiências pessoais e testemunhos. Tendo isso, tudo o mais que precisam são de leituras feitas dentro da igreja, onde são conduzidos aos textos que confirmem suas experiências e práticas. Evidentemente, quem assim procede não terá preocupação com o contexto ou com a interpretação sistemática em face do conteúdo completo da Bíblia. A esse respeito, Augusto Nicodemus afirma que a classe “neocatólica” não tem compromisso com as Escrituras Sagradas e, com isso, coopera com o enfraquecimento do estudo da Palavra de Deus:

Um dos efeitos mais destrutivos dessa mentalidade romanista é que pavimentou em vários aspectos o caminho para a entrada do liberalismo teológico no cenário evangélico. Pois o ponto central dessa mentalidade é, em última análise, o enfraquecimento das Escrituras como a Palavra de Deus, a única regra de fé e prática. A autoridade e a mediação dos bispos e apóstolos, o uso de objetos ungidos como pontos  onde a fé se apoia, a ênfase em determinados pecados em detrimento de outros igualmente condenados na Bíblia serviram para enfraquecer a autoridade das Escrituras dentro do evangelicalismo. Assim, o catolicismo preparou os evangélicos para aceitarem outra fonte de autoridade além da Bíblia”.

Curioso notar que esse movimento de enfraquecimento do estudo da palavra de Deus já ocorreu no passado. No século IV, a partir de decreto do Imperador Constantino, o cristianismo tornou-se a religião oficial do Estado Romano e, naquele tempo, houve uma grande migração de pagãos para o cristianismo sem que se notasse a verdadeira conversão que se segue ao arrependimento de pecados. Houve, na verdade, uma adesão progressiva de pessoas ao cristianismo. Para acomodação dos novos cristãos foi necessário, aos poucos, adoção de costumes e práticas religiosas não retirados da Palavra de Deus. Assim surgiram os dogmas católicos.

Uma vez que a palavra de Deus perde a exclusividade como orientadora da moral e das práticas religiosas, os homens começam a se desviar da vontade do Senhor. Assim, surgem excessivas preocupações com o poder terreno e, consequentemente, aparecem disputas por posições sociais e políticas. Segundo Raimundo de Oliveira, em seu livro “Seitas e Heresias: um sinal do fim dos tempos”, essa foi uma das causas da decadência da igreja do primeiro século:

A decadência doutrinária, moral e espiritual da Igreja começou quando milhares de pessoas foram por ela batizadas e recebidas como membros, sem terem experimentado uma real conversão bíblica. Verdadeiros pagãos que eram, introduziram-se no seio da Igreja trazendo consigo os seus deuses, que, segundo eles, eram o mesmo Deus adorado pelos cristãos. Nesse tempo, homens ambiciosos e sem o temor de Deus começaram a buscar posições na Igreja como meio de obter influência social e política, ou para gozar dos privilégios e do sustento que o Estado garantia a tantos quantos fizessem parte do clero. Deste modo, o formalismo e as crenças pagas iam-se infiltrando na Igreja até o nível de paganizá-la completamente.

Tal fato histórico, parece repetir-se, mas com contornos de modernidade. Recentemente as estatísticas começaram anunciar um rápido crescimento da igreja evangélica no Brasil. Mas, será que estamos observando conversões ou adesões à igreja evangélica?

É fato que temos assistido uma migração de muitas pessoas de religiões de origem africana, católica e espírita para o grupo dito evangélico. Mas, é fato também que não conseguimos observar grandes diferenças em suas práticas, em seus gostos ou em seus valores espirituais e morais como víamos no passado quando um católico se convertia em uma igreja evangélica.

Inclusive, nessa “nova comunidade evangélica”, nota-se um verdadeiro apego à suntuosidade dos templos e à representatividade sobrenatural dos “homens de Deus” (apóstolos e bispos), assim como existia na igreja católica medieval.

De outra parte, é muito comum ver essas lideranças evangélicas modernas se divorciarem de suas esposas assim como fazem os católicos espíritas e umbandistas. Se antes conseguíamos perceber diferenças nas vestes, no falar e no comportamento de um convertido, isso já não é tão fácil hoje. Dentro dessa nova comunidade evangélica, quem está mais próximo da liderança consegue perceber que há muita vaidade, amor ao dinheiro e concorrência por poder com o mesmo espírito faccioso que notamos entre as disputas entre os ímpios.

Com esse comportamento, parece que os evangélicos de hoje são tão modernos em suas práticas e costumes quanto os católicos medievais, razão pela qual a referência a um “neocatolicismo tardio” não parece ser absurda se observarmos bem o que está acontecendo em nosso tempo. Afinal, tirando a Maria, o que mudou? No lugar dos santos, colocam-se os apóstolos modernos. No lugar da idolatria por bonecos, coloca-se a idolatria por templos e por dinheiro. No lugar das indulgências, têm-se objetos ungidos. No lugar do transe próprio do candomblé coloca-se o reteté e o “cai-cai”. No lugar dos dogmas coloca-se a doutrina extra-bíblica. No lugar das oferendas às entidades, colocam-se os sacrifícios em dinheiro. No lugar das promessas para se alcançar benefícios terrenos, colocam-se as campanhas. No lugar das danças africanas colocam-se as coreografias. E assim por diante...

Enfim, quem não aprende com a história, está fadado a repeti-la. Até a cruz, ausente na igreja do primeiro século e incluída após Constantino, mesmo tendo sido retirada da igreja após a reforma, por representar um símbolo de maldição no tempo de Jesus, voltou agora a ser símbolo reverenciado nos templos neocatólicos.

Por Pr. Sólon Lopes Pereira

Em 28 de julho de 2016

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

OLIVEIRA. Raimundo de. Seitas e heresias: Um sinal do fim dos tempos. Ed. CPAD.

NICODEMOS. Augustus. O que estão fazendo com a igreja: ascenção e queda do movimento evangélico brasileiro. São Paulo. Ed. Mundo Cristão.