Em qual ninho estamos?

Em qual ninho estamos?

Por: Jaécio Matos Santos

 

Por Jaécio Matos Santos

 

“E dizia: No meu ninho expirarei, e multiplicarei os meus dias como a areia”. (Jó 29:18).

 

Uma mensagem extraída desse versículo bíblico foi transmitida via satélite, no dia 12 de fevereiro de 2012, por um dos pastores da Igreja Cristã Maranata (ICM). Essa mensagem gerou certa polêmica: para muitos foi um consolo, uma bênção e um alívio perante a tribulação que a igreja vem passando nesses últimos dias. Já para outros, trouxe uma indignação ainda maior, pela forma como a direção da Igreja (Presbitério Espírito Santense- PES) tem se comportado diante dos fatos denunciados e comprovados de corrupção na cúpula dessa organização eclesiástica.

 

Abrirei esse assunto para reflexão, cujo impacto na vida da igreja tanto tem me incomodado nesses últimos dias. Em primeiro lugar, gostaria de dizer que não é a minha intenção causar uma polêmica ainda maior, nem influenciar, nem abalar a fé e a convicção de ninguém.

 

Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada... Nada, nada nos separará do amor de Deus que está em Cristo Jesus nosso Senhor (Rom 8:35-39). Apenas quero expressar aquilo que penso a respeito do assunto em questão e a minha visão sobre o que está acontecendo no meio da ICM.

 

Não me importo e nem espero que concordem ou não comigo, quero somente expressar um pouco os meus sentimentos e os meus questionamentos, para refletir sobre os mesmos e compartilhar com aqueles que quiserem, a fim de que possamos estar sempre nos aperfeiçoando como cristãos e crescendo na graça e no conhecimento do nosso Senhor Jesus.

 

Para aqueles que se sentirem de alguma forma ofendidos ou magoados, desde já, peço que me perdoem, mesmo eu sabendo que o meu propósito não é machucar ninguém. A liberdade de expressão é garantida na Constituição Federal. Fazer análise crítica, questionar posicionamentos doutrinários e condutas no meio da igreja também é dever de todos nós cristãos.

 

Pois bem, vamos então ao tema da mensagem transmitida. Vale salientar inicialmente que quando destacamos versículos da Bíblia, para buscarmos uma mensagem ou um determinado ensino para a igreja, se torna necessário uma análise do contexto ao qual o verso está inserido, a fim de que possamos evitar interpretações direcionadas, convenientes a pontos de vista específicos ou para justificar práticas doutrinárias aplicadas por determinada denominação religiosa.

 

Como exemplo, abrindo um parêntese aqui, relembro-me de um fato ocorrido recentemente em um culto na ICM, onde presenciei o pastor  fazendo a leitura do Salmos 134, lendo apenas o primeiro versículo, para justificar a realização de cultos todos os dias nas igrejas. Quando eu li o verso seguinte, observei que não era conveniente para o dito pastor lê-lo. Simplesmente, porque na ICM não se adota a prática do louvor a Deus com as mãos levantadas no santuário.

 

Voltando ao assunto proposto, podemos claramente observar que todo o capítulo 29 do livro de Jó expressa a sua lembrança e a sua lamentação acerca do seu passado recente, quando ele ainda estava em perfeita saúde física, gozando dos benefícios de uma vida na presença e na direção de Deus. Logo no segundo versículo ele dizia: “Ah! Quem me dera ser como eu fui nos meses passados, como nos dias em que Deus me guardava!”(Jó: 29:2). Assim, no desenrolar da sua narração, percebe-se a tristeza e a angústia de Jó, onde ao mesmo tempo em que se lembrava do seu passado feliz na presença do Pai, lamentava profundamente não poder voltar atrás.

 

O verso 18, em destaque, é a continuidade dessa narração. Nos tempos em que ele podia servir ao Senhor plenamente, o seu ardente desejo era poder terminar os seus dias na presença do Pai todo poderoso, morrer junto com a sua família (no meu ninho expirarei) indo para a eternidade em seguida (e multiplicarei os meus dias como a areia). Mas, no momento atual ao qual se encontrava: miserável e doente, com a sua fé um tanto abalada (descrito em seguida no capítulo 30); pode-se admitir que até mesmo a certeza de Jó em “expirar no ninho” estava, naquele instante, sendo colocada em dúvida. Pode-se observar que o versículo 18 e os demais versos do capítulo 29 começam a ser expressos no tempo passado: “E DIZIA (pretérito imperfeito)...., o que corrobora ainda mais tal interpretação.

 

Jó estava vivendo dias difíceis: Lutas, aflições, abandono, desolação e toda espécie de mal que a doença pode causar a um ser humano. Como homem, ele pôde fraquejar em alguns momentos, o que o levou a ficar decepcionado até com o seu Deus (que nunca o havia abandonado) pelo fato de não entender o real motivo pelo qual estava passando por tudo aquilo. Contudo, a sua fé estava sendo provada por Deus e o final dessa história é sabido: Ele, mesmo sendo vítima daquela situação, perseverou até o fim, se humilhou, se arrependeu no pó e na cinza e Deus o honrou novamente, dando a ele em dobro tudo o que ele possuía (vide capítulo 42 do livro de Jó).

 

A palavra ninho, no dicionário, significa lugar construído pelas aves e outros animais para a procriação e crescimento dos filhotes. No ninho, em geral, os filhos são alimentados pelos seus pais, crescem e depois se tornam independentes, passando a viver em liberdade.

 

Na verdade, a expressão: “no meu ninho expirarei...,” dita por Jó, nos leva a crer que ele estava se referindo a sua convicção de que ali ele poderia morrer seguro e protegido, na presença do Pai. O ninho estaria simbolizando o seu lar, a sua família vivendo harmoniosamente, sem perturbações nem desordens. Essa era a sua lembrança dos tempos de outrora, quando a paz e a harmonia prevaleciam. Daí o seu desejo (frente aqueles momentos de aflição que estava passando) de expirar nesse “ninho”.

Podemos até dizer que o ninho pode simbolizar também a “obra de Deus”, e que Jó desejaria morrer nela e por ela. Mas não me parece razoável fazer referência ou atribuir a esse lugar (o ninho) a uma determinada denominação eclesiástica. Na sua narrativa (capítulo 29) Jó relembrava os momentos felizes da sua vida realizando a obra do Senhor dos exércitos, as suas funções exercidas com amor, a ajuda aos necessitados, a sua fé e as suas obras em prol do reino de Deus. Todavia, diante da situação miserável na qual se encontrava só lhe restava lamentar amargamente os tempos de outrora, a obra que ele realizava e que agora estava só na lembrança. Nessa perspectiva, a vontade de Jó seria terminar os seus dias nessa “obra”, alcançando como galardão a eternidade nos braços do Pai (seu primeiro amor). 

 

A obra que estava temporariamente sendo interrompida na vida de Jó foi a mesma que o Senhor Jesus realizou, como homem, aqui na terra. E Ele continua realizando, nos dias de hoje, através da operação do Espírito Santo atuando na sua igreja fiel.

 

Em outra perspectiva de análise poderíamos perguntar: Quem constrói o ninho? São as aves e alguns outros animais. Quem constrói a obra de Deus? São os homens ou o próprio Deus? Cabe a nós realizar a obra, e em nossos ombros carregá-la, não construí-la. Se nós construímos, ou ajudamos a construir, só pode ser obra de homens e não de Deus.

 

Portanto, se colocamos “gravetos” no ninho estamos ajudando a construir o ninho, simplesmente, obra das nossas mãos. Ficou evidente na mensagem transmitida pelo pastor da ICM que o ninho foi construído com a ajuda de muitos: cada um ia colocando um “graveto” e assim o ninho ia se formando. Logo, ficou nítida a analogia feita na mensagem entre o ninho e a “obra ICM-PES”. Percebemos também na mensagem a ênfase dada ao termo “obra”. Inúmeras vezes eram repetidas essa palavra.

 

Considerar o significado do “ninho” comparando-o a uma determinada denominação eclesiástica é limitar a obra de Deus a somente um lugar específico e exclusivo, o que é inconcebível à luz da doutrina bíblica. Se assim fosse, um católico, um adventista, um batista, um luterano, um metodista etc. que tenha tido uma experiência de salvação com o Senhor Jesus em suas denominações, jamais poderiam sair dela e tomar outro rumo. Teriam que morrer nas suas devidas denominações eclesiásticas de origem, se quisessem ser salvos.

 

Mas não é esse o propósito de Deus para o homem. A experiência de salvação pode acontecer em qualquer lugar. O que mais importa é a salvação em Cristo Jesus. O lugar onde isso ocorre passa a ter uma importância secundária. Esse lugar (denominação eclesiástica) pode até ajudar no crescimento espiritual do novo convertido, alimentando-o com a palavra de Deus e o auxiliando no seu desenvolvimento. Essa é a função do “ninho”: prover todas as condições necessárias para os filhos alcançarem a sua independência e liberdade.

 

O lugar que escolhermos para servirmos ao Senhor pode até vir a ser aquele da primeira experiência. Porém, a tomada dessa decisão não a torna condição “sine qua non” para o alcance da nossa salvação. Essa escolha é baseada no livre arbítrio. O essencial é a lembrança do nosso primeiro amor, da nossa experiência de salvação com o Senhor Jesus Cristo e o continuar na sua presença até o fim, onde quer que estejamos, servindo-o com liberdade, amor e alegria. A partir daí, só a Graça de Jesus nos basta.

 

Referindo-se mais uma vez à mensagem transmitida via satélite pelo pastor da ICM, utilizar-se do mecanismo da persuasão com o propósito de comover os fiéis a permanecerem no “ninho” (ICM), é fazer pressão psicológica e coerção, mexendo com o emocional de um povo sofrido e sem discernimento espiritual. Em outras palavras: Assim como Jó, apesar das lutas e dos sofrimentos, das tribulações e perseguições, jamais deveremos abandonar o nosso ninho (a obra ICM) e sim permanecer até a morte, para alcançarmos a vida eterna. Ficou claro que tal argumento falacioso justificado foi empregado somente para defender a “obra” (ICM), como uma tentativa de mudar o foco e encobrir os escândalos evidentes em tal instituição.

 

As lutas sofridas por Jó não foram provocadas por ele. Ele foi VÍTIMA das circunstâncias, se abateu a ponto de ficar decepcionado até com o seu Deus. Ele foi provado, mas, mesmo assim, se humilhou e se arrependeu no pó e na cinza. Através desse ato de humildade Deus o honrou restaurando a sua vida e de toda a sua família.

 

No que se refere aos fatos acontecidos na ICM-PES, o abalo sofrido por todos foi devido a causas internas (corrupção, desonestidade e outros pecados de alguns homens da administração do PES). Nesse caso, a melhor, mais sensata e única estratégia visando à sua restauração e a sua dignidade, seriam a humildade e o arrependimento perante Deus e também a igreja, assim como fez Jó (mesmo sendo vítima de toda aquela situação sofrida).

 

Um simples ato de reconhecimento, arrependimento e perdão partindo da administração (presidência) do PES para o Senhor Deus e toda a igreja, resolveria de uma vez por todas essa situação. Não temos dúvida de que a ICM-PES teve e tem muito mais motivos do que Jó para se humilhar, uma vez que o problema gerado foi fruto da sua própria administração, mesmo sendo o pecado cometido apenas por alguns homens de lá.

 

Se houver de verdade e com sinceridade esse ato de arrependimento da parte do PES, com certeza, um terrível peso estaria sendo tirado das consciências. Isso seria o primeiro passo para o processo de restauração da sua dignidade, enquanto obra de Deus. Depois disso, aí sim, caberia uma mensagem dessa natureza, para toda a igreja, estimulando a todos a permanecerem não no ninho ICM, mas na presença do Senhor e Salvador Jesus Cristo, autor e consumador da nossa fé e único mediador entre Deus e os homens. Pois, como homem, estamos sujeitos a falhas e pecados, mas sabemos também nos humilhar diante da potente mão de Deus.

 

Infelizmente, confesso que até o momento ainda não conseguir ver tal atitude de humildade, de arrependimento e de perdão da parte do PES. Ao contrário, a soberba e o orgulho tem afetado de uma maneira inexplicável a alta cúpula dessa instituição evangélica.

 

Para finalizar, o que tem me chamado a atenção nesses últimos dias é a quantidade de emails, blogs e sites de relacionamento que estão falando da igreja (ICM) e até denegrindo a sua imagem. Fico triste por ver tudo isso. Gostaria que a revolta e a crítica das pessoas não acontecessem com tamanha intensidade, a ponto de extrapolar para o campo da apostasia, levando a muitos para o caminho da perdição.

 

Porém, sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus e fazem a Sua vontade. Podemos tirar lições para as nossas vidas e para a igreja, com tudo isso que está acontecendo. Não podemos ser ingênuos para não perceber a atuação do adversário das nossas almas, tentando destruir o que há de melhor, a nossa salvação, através desses episódios.

 

Todavia, não podemos fechar os nossos olhos para a realidade que nos cerca. É claro que não podemos esquecer os grandes benefícios, as bênçãos, as experiências, as maravilhas e as vitórias alcançadas no meio da nossa igreja, proporcionadas pelo nosso maravilhoso Pai. Por outro lado, existem também milhares de pessoas feridas, famílias inteiras divididas, gente saindo da igreja com mágoas, vários testemunhos, inclusive de obreiros, diáconos e pastores sobre suas experiências desagradáveis vividas na ICM-PES etc.

 

Será que todas essas pessoas estão totalmente erradas ou equivocadas? A ICM-PES é sempre a dona da verdade? Reconheço que tem muita gente mal intencionada e perversa falando mal da igreja, denegrindo a sua honra e imagem. Mas, admito também que tem muita gente sincera falando aquilo que sofrem no profundo dos seus corações, de pessoas que são fiéis ao Senhor e que têm amor à igreja e à sua obra.

 

Não podemos generalizar tudo e achar que todas as críticas ao sistema são provenientes de gente caída, que perdeu a revelação e a bênção do Senhor. Se todas essas coisas estão acontecendo, creio eu, é para mostrar que há algo errado no meio da igreja (ICM-PES) e da sua doutrina. Precisamos nos isentar, nessa hora, de todo e qualquer preconceito para analisar tudo com muita sabedoria e humildade; e procurar reconhecer aquilo que erramos, e o que podemos melhorar como igreja de Cristo, visando ao aperfeiçoamento das doutrinas à luz da palavra de Deus.

 

Só o cego não pode enxergar, ou o soberbo que não quer admitir: É preciso rever algumas coisas no sistema ICM-PES. Caso contrário, lamentavelmente, poderemos continuar assistindo a cenas desagradáveis acontecendo e, talvez, até em maior proporção, no meio da ICM. A mim, nesse momento, só me resta orar e vigiar sem cessar, para que o Senhor tenha  misericórdia de nós e nos dê a paz.

Lembrei-me agora de um cântico das nossas coletâneas: “Cantarei a misericórdia”. Que possamos meditar na sua letra. Em qual ninho estamos de verdade? O ninho da discórdia, da insegurança, da mentira, da soberba, da vingança e do ódio? Ou no ninho da harmonia, da paz, da segurança, da verdade, da humildade, da compaixão e do amor? Não há outro caminho para nós que não seja vivermos verdadeiramente o evangelho de Cristo Jesus, traduzido na humildade, na graça e no amor a Deus sobre todas as coisas e ao nosso próximo.

 

Que Deus possa nos abençoar nessa jornada, até a volta do Senhor Jesus.

 

Graça e paz!

 

Jaécio Matos Santos