Clamor pelo sangue de Jesus

Clamor pelo sangue de Jesus

Considerando que conhecemos o valor do sacrifício de Jesus, representado por seu sangue derramado na cruz do calvário, façamos uma reflexão quanto à necessidade de realizarmos formalmente um “clamor pelo sangue de Jesus” todas as vezes que desejarmos fazer uma oração inicial para nos achegarmos à presença de Deus.

Do ponto de vista histórico, temos de admitir que não há referências específicas quanto a isso. Não há registros de que, desde a igreja primitiva até o século IV, houvesse tal prática no âmbito cristão. De modo semelhante, o protestantismo iniciado com Lutero não nos deixou registros ou ensinamentos a respeito da necessidade de um clamor pelo sangue de Jesus antes de determinadas orações para que essas fossem aceitas diante de Deus.

Sabendo disso, entender o formal “clamor pelo sangue de Jesus” como requisito essencial para acesso a Deus significaria dizer que a Assembleia de Deus, que é conhecida como uma igreja dada à oração, durante os seus 100 anos de existência não foi (e ainda não é) ouvida por Deus quando seus membros se reúnem e fazem suas orações sem clamar pelo sangue de Jesus. De igual modo, podemos dizer que a Igreja Batista e todas as outras denominações evangélicas também não são ouvidas por Deus.

Evidentemente, as coisas não são bem assim!

Embora não haja problema algum em observarmos uma formalidade dessa natureza, desde que isso não seja razão de soberba, precisamos ter cuidado para não sermos levados a crer que aqueles que assim não fazem estão fora da vontade ou da revelação de Deus. E é exatamente esse o objetivo deste estudo. Esclarecer que, se Deus nunca exigiu tal prática de sua igreja, não há nada de errado com quem assim não procedem.

O fato é que, desde sempre, qualquer oração sincera que parte de um coração arrependido dos pecados cometidos e com disposição à confissão e ao pedido de perdão terá aceitação de Deus, independentemente de um formal “clamor pelo sangue de Jesus”.

Não há dúvida de que nós só acessamos o santíssimo lugar devido ao sacrifício de Jesus, que derramou seu sangue por nós pecadores, mas isso não torna necessária a criação de um ritual novo, não prescrito para a igreja. O ritual do Velho Testamento era exigido pela lei de Moisés e, por isso, devia ser observado, o que não ocorreu com o advento da graça, conforme veremos neste estudo.

O sangue de Jesus

Neste tópico, pretendemos considerar a importância dos ensinamentos bíblicos sobre o “sangue de Jesus”, mas com o cuidado de mantê-lo estritamente em sua função bíblica.

Vamos iniciar com o seguinte texto de Hebreus:

“Com efeito, quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e, sem derramamento de sangue, não há remissão.” (Hebreus 9:22 RA)

É difícil imaginar que um crente em Jesus não tenha compreendido que o perdão de pecados deve-se ao sacrifício de Jesus, que se ofereceu como expiação pelo pecado do mundo (1 João 1:9-2:2), alcançando, evidentemente, todo aquele que se arrepende de seus pecados, confessando-os, deixando-os e, assim, aceitando a Jesus como Senhor e Salvador.

Desde o Velho Testamento, a exigência da lei para o perdão de pecados e para a purificação era um ritual que envolvia o sacrifício de um cordeiro, cujo sangue era levado à presença de Deus, no santíssimo lugar, como prova da morte do animal que havia sido sacrificado no lugar do pecador, substituindo-o. O ritual implicava na transferência do pecado do pecador para a vítima inocente que seria imolada, uma vez que havia, desde o Éden, uma sentença de morte decretada para o pecador. Assim, quando o animal morria, levava consigo o pecado e deixava o homem livre da sentença que pesava sobre ele, salvando-o da morte.

Todo esse ritual levítico apontava, entretanto, para um sacrifício perfeito, que não haveria de se repetir anualmente.

Ao escritor da carta aos Hebreus, portanto, restou a difícil missão de fazer com que os judeus percebessem que a velha aliança havia sido substituída por uma nova. Para tanto, o autor fez detalhado estudo para relacionar o sacerdócio e os sacrifícios realizados por ordenança da Lei de Moisés ao sacerdócio de Cristo e ao sacrifício do “cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.

O autor trata da inferioridade dos sacrifícios de animais em Hebreus 10, mas no capítulo 9 começa a lançar os alicerces para essa discussão. Entre outras coisas, lembrou que o sumo sacerdote levava anualmente o sangue de um animal para o Santo dos Santos, mas Jesus Cristo ofereceu a si mesmo na presença de Deus como sacrifício uma só vez. Também, deixou claro que os sacrifícios de animais não poderiam jamais pagar o preço da “eterna redenção”. O sangue de animais somente cobria o pecado até que o sangue de Cristo “tirasse o pecado do mundo” (Jo 1:9).

Hoje, ao estudarmos o livro de Hebreus, aprendemos que o nosso perdão e, consequentemente, nosso acesso ao Senhor se deve ao sacrifício do “cordeiro de Deus” (Jesus), sendo Ele o próprio Sumo Sacerdote, já que Ele ofereceu a si mesmo. Sim, o acesso ao Senhor depende do sacrifício de Jesus, já que ninguém pode se achegar a Deus sem estar purificado, uma vez que a própria palavra nos ensina que “sem santificação ninguém verá a Deus”.

“Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor,” (Hebreus 12:14 RA)

Por essa razão, o escritor da carta aos Hebreus afirma que o “novo e vivo caminho” de acesso a Deus é o sangue de Jesus. O nosso Senhor Jesus já abriu o caminho que nos leva à comunhão com o santíssimo Deus quando derramou o seu sangue e rasgou o véu do santuário, findando a necessidade de se imolar animais, tal como se fazia para o cumprimento da lei.

Todo o ensinamento sobre o sacrifício de Jesus e sobre o seu sangue derramado nada tem a ver com nossas orações diárias, mas sim com nossa vida diária, com a disposição de nossos corações.

A partir do momento em que o véu se rasgou, podemos ter a intrepidez de entrar no santíssimo lugar, pois o acesso nos foi franqueado pelo sacrifício de Jesus, representado por seu sangue:

“19 Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus [seu sacrifício], 20  pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, 21  e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, 22  aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura.” (Hebreus 10:19-22 RA)

É bom observar que o texto acima nos diz que temos intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus (entre vírgulas), ou seja, porque Jesus já morreu, derramou seu sangue e o véu já se rasgou. O texto não diz que temos intrepidez para entrar no Santo dos Santos “clamando pelo sangue de Jesus” em nossas orações.

Se já conhecemos a obra redentora de Jesus, para termos acesso a Deus, segundo as escrituras sagradas, devemos nos aproximar com sincero coração. Foi assim desde a igreja primitiva, a exemplo da passagem de Cornélio (At 10:1-4) e é assim até hoje. Basta crermos.

Até aqui, já podemos perceber que o sacrifício realizado por Jesus nos garante perdão, salvação e comunhão com Deus. O poder do sangue de Jesus está em sua eficácia para nos purificar de todo pecado, mas em nenhum texto bíblico Deus nos orienta a pronunciarmos a expressão “clamamos pelo sangue de Jesus” como condição para que a oração produza esse efeito. Isso não foi exigido por Jesus, nem por Paulo e nem pelo escritor da carta aos Hebreus.

Se observarmos o ritual da lei, podemos notar que o sangue servia para atestar a morte do animal. Quando o sumo sacerdote se achegava ao santíssimo lugar ele levava a prova de que o animal havia sido sacrificado – o sangue. De igual modo, quando o sangue era aspergido sobre o altar ou sobre os utensílios que se queria purificar, tal ato representava que a purificação advinha do sacrifício de um animal.

O valor e importância do sangue era demonstrar um fato: o animal inocente morreu no lugar do pecador.

Mas, isso passou! Ficou para trás! O ritual foi substituído por um novo e vivo caminho! A partir do sacrifício de Jesus, o ritual e as práticas repetitivas perderam o sentido, dando lugar a outra realidade.

Para que, sem medo, deixemos para trás um ritual que apenas era a representação de uma realidade futura, temos que nos ater à essência do texto de Hebreus, especialmente dos versos 19 e 20. Ora, o que nos garante o perdão, a salvação e o acesso a Deus (comunhão) é o sacrifício. O sangue é apenas a prova de que o sacrifício aconteceu.

Em sua essência, o que importa para Deus não é a prova de que Jesus morreu, pois disso Ele já sabe. A Deus interessa saber se em nossos corações há a consciência de nossos pecados; se estamos sinceramente arrependidos; se somos “réus confessos”; e se compreendemos que o perdão nos foi concedido porque lançamos sobre Jesus os nossos pecados que, por substituição, morreu em nosso lugar, expiando a nossa culpa.

Quando o texto de Hebreus diz que entramos no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus ele está dizendo que só entramos na presença de Deus porque Jesus morreu em nosso lugar, derramando o seu sangue para nos conceder o perdão e a purificação necessária a esse acesso ao lugar onde o pecador não pode estar.

Na verdade, o escritor de Hebreus está nos ensinando a nos desligarmos dos rituais e não criando um novo ritual. Ele afasta o ritual e apresenta um novo e vivo caminho que depende da consciência e não de rituais. Vejamos, então, como deve acontecer a aproximação do homem a Deus desde que Jesus morreu, uma só vez, de modo expiatório:

“aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de , tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura.” (Hebreus 10:22 RA)

Os elementos essenciais são: fé, coração sincero e purificado de má consciência. Pronunciar ritualisticamente uma “expressão mágica” de nada adiantará se os requisitos essenciais não estiverem presentes. Isso não garante o perdão e nem o acesso a Deus. O que nos introduz na presença do Senhor é um coração purificado da má consciência, arrependido e despojado da vaidade que impede a confissão do pecado.

É fato que se não fosse o sacrifício de Jesus, que derramou o seu sangue, os rituais deveriam prosseguir continuamente, ano após ano. Mas, o ato sacrificial do Filho de Deus interrompeu o ritual, dando lugar à liberdade de se entrar e de se permanecer na presença de Deus com um coração purificado da má consciência do pecado. Uma vez que já entendemos e aceitamos a morte expiatória de Jesus, o véu já foi rasgado e retirado da nossa face. O caminho de acesso a Deus já nos foi aberto. Porém, ninguém deve pretender entrar ou ficar na presença de Deus com um coração carregado de imundícies provenientes de pecados sem arrependimento. Quem vive em pecado e não se arrepende está nas trevas e não na luz.

Todo esse ensinamento sobre o sacrifício de Jesus e sobre o seu sangue derramado nada tem a ver com nossas orações diárias, mas sim com nossa vida diária. Não é a menção ao sangue de Jesus que nos dá acesso a Deus, mas a consciência de que um preço já foi pago e um caminho novo nos foi aberto, sendo que só nos resta arrepender e confessar os nossos pecados para que possamos entrar na presença de Deus.

“9 Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. 10 Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós. 2:1 Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo; 2  e ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro.” (1 João 1:9-2:2 RA)

É importante observar que a condição para o perdão, para a purificação e, consequentemente, para se estar em condições de trilhar, com intrepidez, o novo caminho aberto na cruz em direção ao Santo dos Santos é a confissão de pecados, que implica em anterior arrependimento.

Assim, entramos na presença de Deus, mas para lá permanecermos temos que observar mais um trecho da primeira carta de João, conforme segue:

 “5 Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva nenhuma. 6  Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. 7  Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado. 8 Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. 9  Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1 João 1:5-9 RA)

Na passagem transcrita, João está tratando com pessoas que já são salvas, que já acessaram a presença de Deus em algum momento de suas vidas e, portanto, foram remidas pelo sacrifício de Jesus, o que normalmente chamamos de “lavados no sangue de Jesus”.

Esses tais deveriam andar na luz sem nenhuma comunicação com as obras das trevas para permanecerem na presença do Senhor. João diz que se alguém anda nas trevas é porque não está na luz. E esses que vivem nas trevas, ocultando seus pecados (sem arrependimento), mesmo que sejam crentes em Jesus, não alcançam o perdão, já que a condição do perdão é arrependimento e confissão. Sem isso, o sacrifício de Jesus, representado pelo seu sangue, não pode operar na vida do pecador.

Ora, a eficácia do sangue de Jesus (do sacrifício realizado), só opera na vida de quem vive na luz, pois na claridade nenhum pecado fica escondido. Os que realmente vivem na luz são aqueles que reconhecem seus pecados e se arrependem de tê-los cometido, desejando nunca mais repeti-los. Uma vez que os pecados de quem vive na luz são expostos por meio da confissão e do arrependimento, o sangue de Jesus (sacrifício) é eficaz para produzir o perdão e a purificação.

Importante dizer que clamar pelo sangue de Jesus não produz efeito algum se não houver arrependimento do pecado. Se há arrependimento e reconhecimento do meio que Deus escolheu para a purificação, o clamor indispensável é por perdão. Neste caso, a eficácia do sangue de Jesus é automática, pois Deus é fiel para perdoar o pecado e purificar de toda a injustiça.

Esta é, portanto, a condição para que o homem permaneça na presença de um Deus santo: um viver santo. E isso não está relacionado a uma prática de se invocar o sangue de Jesus, mas de se andar na luz.

Curiosidade

Há quem diga que quando se clama pelo sangue de Jesus se está a clamar pela sua vida ou pelo seu Espírito, mas isso não tem qualquer fundamento bíblico expresso.

Ora, se Deus quisesse que clamássemos pela “vida” ou pelo “Espírito de Jesus” por que não nos disse isso claramente? Por que Deus iria dizer uma coisa querendo dizer outra? Por que Jesus não explicou isso aos seus discípulos, do mesmo modo como ensinou a orar “em seu nome”?

Enfim, se queremos estar bem firmados na palavra de Deus, podemos optar por obedecer às doutrinas que estejam expressamente delimitadas nas escrituras sagradas.

O poder do sangue de Jesus x o poder do nome de Jesus

Segundo os registros bíblicos, o poder que podemos exercer contra as trevas está no “sangue” ou no “nome” de Jesus, a fim de que não venhamos a ser envergonhados.

Por isso, é mais sábio e mais prudente apoiarmos as nossas práticas religiosas na palavra de Deus e não em experiências pessoais alheias, por mais espirituais e bem-sucedidas que possam parecer.

O fato é que não há na bíblia qualquer indicação de invocação do poder do sangue de Jesus, seja em que situação de perigo for. Em vez disso, há expressa recomendação quanto à invocação do nome de Jesus diante de qualquer operação das trevas, senão vejamos:

 “Estes sinais hão de acompanhar aqueles que creem: em meu nome, expelirão demônios; falarão novas línguas;” (Marcos 16:17 RA)

Mas, “que mal há em se invocar o poder do sangue de Jesus?” Nenhum! O único problema é a ineficácia. Por exemplo: em um dia frio posso usar uma camiseta ou um casaco. Neste caso, somente o casaco me aquecerá, embora a camiseta em si não me faça mal algum.

No caso de enfrentamento de poderes das trevas, temos a mesma situação: por que eu usaria o clamor pelo sangue de Jesus se Jesus me disse para usar o seu nome? Somente quem não deseja a eficácia nesse enfrentamento recomendaria o contrário.

Ora, na medida em que o sangue de Jesus é meio de purificação e comunhão do homem e não de invocação de poder para reprimir as obras das trevas, ao fazermos essa confusão, corremos o risco de sermos envergonhados diante das obras malignas do Diabo.

Apenas a título de curiosidade, note-se que, ao orarmos, nós não encerramos a oração dizendo: “pelo poder do sangue de Jesus”. Por que? Simplesmente porque Jesus nos ensinou a orarmos ao Pai em seu nome: “em nome de Jesus”. Ora, por que eu trocaria uma coisa recomendada por uma não recomendada?

Ao passo que a bíblia não nos ensina a invocar o “poder do sangue de Jesus”, ela nos instrui, claramente sobre o poder do “nome de Jesus” e nos dá o direito de usá-lo como invocação dessa autoridade.

O evangelho de Mateus relata que, pouco antes de Jesus subir para o Pai, disse o seguinte:

“Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra.” (Mateus 28:18 RA)

“E, chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra.” (Mateus 28:18 RC)

O evangelho de Marcos, ao se referir a este mesmo momento, relata que Jesus ordenou aos seus discípulos que saíssem pelo mundo pregando o evangelho e, para lhes assegurar a vitória, delegou-lhes a sua autoridade e poder pelo uso de “seu nome”, senão vejamos:

“15 E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. 16  Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado. 17  Estes sinais hão de acompanhar aqueles que crêem: em meu nome, expelirão demônios; falarão novas línguas; 18  pegarão em serpentes; e, se alguma coisa mortífera beberem, não lhes fará mal; se impuserem as mãos sobre enfermos, eles ficarão curados. 19 De fato, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu e assentou-se à destra de Deus.” (Marcos 16:15-19 RA)

Como visto, Jesus declara possuir todo poder no céu e na terra e, em seguida, delega esse poder e autoridade aos seus discípulos para deter as trevas e para curar doentes. Tudo isso, entretanto, com a menção de seu nome, já que Ele (Jesus) é a fonte de toda autoridade e poder que nos foram delegados. Desse modo, fazendo menção ao seu nome, estamos dizendo aos espíritos das trevas e às doenças causadas por eles que os estamos repreendendo por ordem do detentor de toda autoridade e poder. Não fazemos nada em nosso próprio nome, pois nenhum poder temos em nós mesmos. Isso, sim, é ser submisso ao soberano Deus e fazer apenas o que Ele nos manda.

“Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer.” (Lucas 17:10 RA)

Isso é muito importante: o mínimo que Deus espera de nós é que façamos o que Ele nos mandou fazer e do modo como nos foi ordenado. Fazer outra coisa que não seja o que nos foi ordenada e deixar de fazer o que é a nossa obrigação é pretender alcançar êxito por nossos próprios méritos, o que é muito perigoso.

Também, é relevante destacar que, no momento em que Jesus mandou seus discípulos exercerem autoridade sobre as trevas em seu nome, Ele já tinha derramado seu sangue em sacrifício. Naquele instante Ele já poderia, se fosse o caso, ter orientado seus discípulos quanto ao “poder do seu sangue”, ao invés de instruí-los quanto ao poder do seu nome.

E por que Jesus, após sua ressurreição, ao dar as últimas instruções aos seus discípulos antes de subir ao céu, não ensinou a seus discípulos sobre o “poder de seu sangue”?

Simples: porque isso não era para ser ensinado. Nem por Ele, nem por Paulo e nem por qualquer outro apóstolo. Se fosse para ser ensinado, Ele o teria feito, do mesmo modo como ensinou a usar SEU NOME.

O “clamor pelo sangue de Jesus” é uma doutrina bíblica?

Após notarmos a importância do sangue de Jesus e colocá-lo em seu devido lugar, passamos a avaliar se na prática diária de nossas orações devemos incluir a expressão formal “clamamos pelo sangue de Jesus” para que possamos ser purificados e recebidos na presença de Deus.

De pronto, pode-se afirmar que não há na bíblia qualquer referência direta a essa prática. As orações praticadas tanto no Velho como no Novo Testamento não se apresentam como atos litúrgicos envolvendo frases prontas para a repetição.

Partindo dessa primeira observação, passaremos a tecer algumas considerações sobre a razoabilidade de se incluir a prática do “clamor pelo sangue de Jesus” entre as doutrinas bíblicas reconhecidas pelo meio evangélico.

O importante e o essencial estão claramente registrados na Bíblia

O Senhor Deus, por meio de seus apóstolos, orientou a igreja quanto às coisas importantes e essenciais que deveriam ser praticadas e não incluiu que se clamasse pelo sangue de Jesus antes de um culto, de uma reunião ou de uma oração. Isto é, Deus não deixou à igreja nenhum ensinamento doutrinário objetivo que incluísse o “clamor pelo sangue de Jesus” como condição para acessar a sua presença ou para que nossas orações fossem ouvidas ou para que alguma reunião dos santos fosse considerada aceitável diante dele.

Vejamos, a seguir, como os apóstolos resolveram não impor regras aos gentios que se convertiam a Deus, decidindo apenas recomendar-lhes, de modo claro e objetivo, naquilo que consideraram ser essencial à prática da vida cristã.

“19 Pelo que, julgo eu, não devemos perturbar aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus, 20  mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, bem como das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue. (...) 28 Pois pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além destas coisas essenciais: 29  que vos abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas; destas coisas fareis bem se vos guardardes. Saúde.” (Atos 15:19-20; 28,29 RA)

E a primeira questão a ser analisada é exatamente esta: houve alguma recomendação sobre a prática do “clamor pelo sangue de Jesus”? Não! Em nenhuma passagem bíblica os apóstolos em suas cartas às igrejas ensinaram o ritual do clamor pelo sangue de Jesus como algo essencial a qualquer oração dirigida a Deus.

Quando o apóstolo Paulo ensinou a igreja de Corinto sobre dons espirituais e sobre a organização de reuniões da comunidade cristã, não mencionou a necessidade de se clamar pelo sangue de Jesus, nem para tratar com dons espirituais nem como condição para o início das reuniões.

“12 Assim, também vós, visto que desejais dons espirituais, procurai progredir, para a edificação da igreja. 13  Pelo que, o que fala em outra língua deve orar para que a possa interpretar. 14  Porque, se eu orar em outra língua, o meu espírito ora de fato, mas a minha mente fica infrutífera. 15 Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente.” (1 Coríntios 14:12-15 RA)

“26 Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para edificação. 27 No caso de alguém falar em outra língua, que não sejam mais do que dois ou quando muito três, e isto sucessivamente, e haja quem interprete. 28  Mas, não havendo intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus. 29  Tratando-se de profetas, falem apenas dois ou três, e os outros julguem. 30  Se, porém, vier revelação a outrem que esteja assentado, cale-se o primeiro. 31  Porque todos podereis profetizar, um após outro, para todos aprenderem e serem consolados. 32  Os espíritos dos profetas estão sujeitos aos próprios profetas; 33  porque Deus não é de confusão, e sim de paz. Como em todas as igrejas dos santos,” (1 Coríntios 14:26-33 RA)

Ora, será que Deus deixaria de fora do nosso manual (a bíblia) algo imprescindível à nossa prática cristã? Será que Deus teria prazer em esconder de seus santos servos um preceito indispensável para o desenvolvimento da comunhão deles com o Pai?

Nesse particular, é bom lembrar que Jesus falava por parábolas para ocultar seus mistérios dos incrédulos fariseus e não de seus discípulos. A estes, Jesus explicava tudo, pois importava que ficassem bem instruídos acerca de sua vontade, senão vejamos:

33. Com muitas parábolas semelhantes Jesus lhes anunciava a palavra, tanto quanto podiam receber. 34. Não lhes dizia nada sem usar alguma parábola. Quando, porém, estava a sós com os seus discípulos, explicava-lhes tudo. (Marcos 4:33,34)

Apenas a título de comparação, no que é essencial à oração, Jesus não nos deixou sem instrução. Fomos devidamente orientados que nossas petições a Deus deveriam ser feitas em Seu nome. Neste caso, a expressão nos foi objetivamente ensinada para ser utilizada quando nos achegássemos a Deus para lhe apresentar nossas petições. Jesus fez isso porque considerou este ato de fundamental importância e que não deveria ser deixado de fora da prática cristã.

 “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda.” (João 15:16 RA)

 “Naquele dia, nada me perguntareis. Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai, ele vo-la concederá em meu nome.” (João 16:23 RA)

Portanto, considerando que a todos os livros da bíblia são dirigidos ao povo de Deus, concluímos neste tópico que, se um ensinamento não está registrado nas escrituras sagradas, é porque não é indispensável à prática cristã.

Deus se revela aos seus discípulos e não os deixa sem instrução

Conforme já indicamos, Deus ocultou seus mistérios aos incrédulos e não aos seus discípulos.

O Novo Testamento deixa claro que Jesus declarou que quando falava por parábolas estava dificultando o entendimento dos mistérios do Reino de Deus aos incrédulos, aos fariseus e aos demais doutores da Lei que não criam que Ele era o filho de Deus, pois esses eram indiferentes ou queriam matá-lo.

Mas, a seus discípulos, que tinham interesse em segui-lo, Jesus se revelava em particular deixando clara sua mensagem para que pudessem compreendê-la e praticá-la, como podemos observar nos exemplos a seguir.

“10 Então, se aproximaram os discípulos e lhe perguntaram: Por que lhes falas por parábolas? 11 Ao que respondeu: Porque a vós outros é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas àqueles não lhes é isso concedido.” (Mateus 13:10-11 RA)

“10 Quando Jesus ficou só, os que estavam junto dele com os doze o interrogaram a respeito das parábolas. 11  Ele lhes respondeu: A vós outros vos é dado conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábolas,” (Marcos 4:10-11 RA)

“Então, despedindo as multidões, foi Jesus para casa. E, chegando-se a ele os seus discípulos, disseram: Explica-nos a parábola do joio do campo.” (Mateus 13:36 RA)

Observe, agora, com quem Jesus estava tratando e a quem estava se dirigindo quando disse algumas coisas que as pessoas não entenderam.

“18 Perguntaram-lhe, pois, os judeus: Que sinal nos mostras, para fazeres estas coisas? 19  Jesus lhes respondeu: Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei. 20  Replicaram os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este santuário, e tu, em três dias, o levantarás? 21  Ele, porém, se referia ao santuário do seu corpo. 22  Quando, pois, Jesus ressuscitou dentre os mortos, lembraram-se os seus discípulos de que ele dissera isto; e creram na Escritura e na palavra de Jesus.” (João 2:18-22 RA)

“3  A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. 4  Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez?” (João 3:3-4 RA)

Lendo Mateus, do capítulo 5 ao 7, é possível notar a clareza de Jesus quando estava ensinando seus discípulos sobre a essência daquilo que devemos ser e fazer, chegando, inclusive, a dar um exemplo de como se deve orar (Mt 6:5-13) afastando a hipocrisia formalística dos fariseus. Observemos a quem o sermão do monte estava sendo dirigido: aos seus discípulos.

“1 Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte, e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; 2  e ele passou a ensiná-los, dizendo:” (Mateus 5:1-2 RA)

É claro que podemos argumentar que Jesus não ensinaria a clamar pelo seu sangue se Ele ainda estava vivo. Sim, mas mesmo depois de ressurreto, quando seu sangue já havia sido derramado, ele também não ensinou isso aos seus discípulos conforme já vimos anteriormente.

Mas, será que após a morte de Jesus, o Espírito Santo de Deus teria revelado o “mistério do clamor ritualístico pelo sangue de Jesus” aos discípulos? Se revelou, por que eles esconderiam isso de nós?

Certamente, o Espírito Santo não deixaria um importante ensinamento em código para que tivéssemos que decifrar. Se não foi assim com os apóstolos, porque seríamos tratados de modo diferente?

Lembrando de Paulo, é bom que se diga que ele ficou três anos se fortalecendo e aprendendo com os discípulos antes de iniciar seu ministério junto aos gentios (Gl 1:15-18) e quando começou a escrever às igrejas nada falou sobre a necessidade de se clamar pelo sangue de Jesus para se iniciar uma reunião ou uma oração específica.

Ora, bem sabemos que Deus oculta seus ensinos dos sábios e entendidos deste mundo, que o querem decifrá-los por seus próprios métodos científicos e racionais, sem se sujeitarem à sua palavra, mas com os pequeninos o Senhor não age dessa maneira. Antes, revela-se, senão vejamos:

“Naquela hora, exultou Jesus no Espírito Santo e exclamou: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos (discípulos). Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado.” (Lucas 10:21 RA)

Portanto, podemos concluir que o novo testamento nos apresenta um Deus que tem prazer em se revelar aos seus servos e em ensiná-los, independentemente da capacidade intelectual ou da condição social de cada um. Os mistérios de Deus só ficam ocultos aos incrédulos. Quem examina a palavra de Deus, com sinceridade, perceberá que Deus se revela aos seus filhos e não esconde sua doutrina da sua amada igreja.

A história da igreja prova a desnecessidade do clamor

Por último, a história da igreja, desde a sua instituição, nos mostra que a ausência formal do “clamor pelo sangue de Jesus” nunca impediu a manifestação de Deus ou a presença de Jesus no meio de seu povo para comunhão, visitação e revelação.

Em primeiro lugar, é bom lembrar que o próprio Jesus disse que estaria presente em nosso meio pelo simples fato de estarmos reunidos em seu nome, sem apresentar nenhuma outra condição.

“Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.” (Mateus 18:20 RA)

Quando Pedro, por revelação, foi enviado à casa de Cornélio testificou que as orações desse homem subiam a Deus. É bom lembrar que Cornélio ainda não conhecia a Jesus, por isso sua oração não foi precedida pelo clamor pelo sangue de Jesus. Mas mesmo assim foi ouvida por Deus. Ora, Cornélio acessou o santíssimo lugar, pois o véu já estava rasgado e o seu coração era sincero.

“e disse: Cornélio, a tua oração foi ouvida, e as tuas esmolas, lembradas na presença de Deus.” (Atos 10:31 RA)

Quanto à igreja primitiva, não há qualquer registro bíblico ou histórico que indique que nossos irmãos tivessem uma prática parecida com o “clamor pelo sangue de Jesus” para iniciar uma reunião ou mesmo uma oração.

De igual modo, é bom notar que os manuais de história da igreja também não relatam que a igreja, em seus quase dois mil anos de existência tenha desenvolvido a prática do clamor pelo sangue de Jesus. Mesmo retirando desse contexto o período das trevas pelo qual a igreja passou, temos centenas de anos em que a igreja desfrutou de intimidade, salvação, revelação de Deus, amadurecimento, reavivamentos etc. sem que haja notícia de uma prática dessa natureza.

Ora, se no período da igreja primitiva e durante os grandes avivamentos da igreja nunca se sentiu falta do “clamor pelo sangue de Jesus” para que Deus se fizesse presente em uma reunião, por que hoje isso seria essencial? Observe que não estamos afirmando que o sacrifício de Jesus ou o seu sangue derramado não tenha valor ou não seja importante. Estamos dizendo que o ritual ou o pronunciamento de uma frase específica não é essencial para que entremos no santo lugar. Fazemos isso pela fé e, obviamente, considerando o sacrifício de Jesus e o seu sangue derramado para nos purificar.

Portanto, a conclusão deste último ponto é que nós nem mesmo seríamos servos de Deus hoje se a igreja que nos precedeu, desde o princípio, não tivesse alcançado o favor, a graça, o amor e a revelação de Deus, tendo trabalhado pela expansão do evangelho. Uma história de, aproximadamente, dois mil anos deve ser suficiente, no mínimo, para nos mostrar que Deus nunca deixou de operar em sua igreja, mesmo não existindo por todos esses anos o ritual do clamor pelo sangue de Jesus para iniciar uma reunião ou uma oração. Corrobora com essa percepção trecho extraído do livro "O que estão fazendo com a igreja", de Augustus Nicodemus, Editora Mundo Cristão, p. 148:

"historicamente, todos os fundadores de seitas, dentro e fora do cristianismo, sempre reivindicaram que foram iluminados por Deus para conhecerem a verdade final, que havia sido oculta da Igreja até então. Foi assim que os mórmons, as Testemunhas de Jeová, seitas apocalípticas, o G-12, o movimento de batalha espiritual e o próprio islamismo começaram. O que todos eles têm em comum é a crença de que a verdade evolui, cresce e muda, e que revelações contemporâneas de Deus têm mais autoridade que as Escrituras." Augustus Nicodemus, em "O que estão fazendo com a igreja", Editora Mundo Cristão, p. 148.

conclusão

De todo o exposto, concluímos que a prática de se “clamar pelo sangue de Jesus” para validar uma oração não pode ser considerada uma doutrina bíblica.

Entretanto, tal prática não traz qualquer prejuízo à oração, não a invalida e não a faz melhor ou pior, uma vez que Deus está observando o coração e a sinceridade do homem que se dirige a Ele.

Evidentemente, se em qualquer das cartas de Paulo ou de outro apóstolo, dirigida à igreja, tivesse sido registrado algo parecido como: “clamai pelo sangue de Jesus ao iniciar qualquer reunião”, nós seríamos os primeiros a defender essa prática.

Mas, como não existe nenhum texto bíblico, nem parecido com o que referimos, pela fé sentimos segurança em nossas orações com corações sinceros diante do Pai.

Em, 01 de julho de 2016.

Pastor Sólon Pereira