Maldito o homem que confia no homem

Maldito o homem que confia no homem

“Desconfiar de tudo e de todos é uma psicopatia”

Por: Pastor Sólon Lopes Pereira

 

Introdução

Há quem diga que só confia em Deus e que não confia em homem algum, uma vez que a bíblia diz que é “maldito o homem que confia no homem”.

Entretanto, a lógica das relações familiares e sociais nos leva às seguintes indagações: como pode alguém viver neste mundo sem confiar em alguém? Seria isso saudável, do ponto de vista mental?

Também, do conhecimento que adquirimos lendo a bíblia, perguntamos: como poderia Deus esperar que não confiemos nas pessoas quando Ele próprio transmite sua palavra por meio de homens? Então, será que compreendemos bem o versículo bíblico em que Jeremias diz “maldito o homem que confia no homem? (Jr 17:5)

E, por fim, considerando nossas experiências individuais, traumas e decepções com nossos semelhantes, nos questionamos: um fato traumático com pessoas ou instituições pode ser justificativa para não confiarmos em mais ninguém?

Ao final, após contextualizar o citado verso bíblico, com um pouco de paciência, entenderemos corretamente a mensagem de Deus e teremos a oportunidade de desmistificar conceitos errôneos e, assim, aperfeiçoar nossos relacionamentos, a despeito dos traumas que tenhamos suportado ao longo de nossas vidas.  

Relações de confiança

Constantemente, todos nós entramos em aviões, andamos de ônibus, subimos em prédios altos, trafegamos em pontes, tomamos remédios receitados por médicos etc. Ora, por trás de todas essas coisas está o homem, mesmo sendo falho. Quando entramos em um avião, por exemplo, confiamos nossas vidas à tecnologia e a equipamentos desenvolvidos e monitorados por homens. Também, entregamos nossas vidas nas mãos de um piloto e confiamos em toda a equipe composta por pessoas de diferentes religiões, culturas e níveis intelectuais e sociais, as quais estão encarregadas desde o abastecimento até a manutenção das aeronaves. Ou seja, o simples ato de viajar de avião exige que confiemos em várias pessoas que nem mesmo conhecemos.

São diversas as razões que envolvem o fenômeno da confiança entre seres humanos, a exemplo do histórico das pessoas, do conhecimento e da proximidade que temos delas, das experiências e dos traumas por que passamos etc. Mas, o fato é que nós confiamos, sim, nas pessoas. Em situações normais, embora em graus diferentes, confiamos nos pais, nos cônjuges, nos filhos, nos amigos, nos irmãos, no piloto do avião em que voamos, no motorista do ônibus em que viajamos, nos engenheiros que projetam pontes por onde passamos, nos médicos que nos operam e nos medicam etc.

Se, por um lado, estabelecemos a relação de confiança na medida em que conhecemos as pessoas, e o produto de seus trabalhos, por outro lado, um único fato decepcionante em relação a essas mesmas pessoas pode traumatizar e quebrar definitivamente a confiabilidade. Por isso, a confiança que leva muito tempo para ser estabelecida pode ser quebrada em poucos segundos.

Do ponto de vista humano, querendo ou não, e apesar de termos boas razões para não confiar indistintamente nas pessoas, é impossível afirmar, com coerência, que não confiamos em alguém. O máximo que podemos fazer é evitar, na medida do possível, aqueles que já provaram não ser dignos da nossa confiança.

Entretanto, é bom lembrar que, do ponto de vista de Deus, até mesmo as pessoas que já falharam merecem crédito, quando se arrependem, confessam humildemente o erro e mudam de atitude. Aí está a essência do evangelho que anunciamos. Como crentes em Jesus, testemunhamos todos os dias a transformação de pessoas pelo poder do Espírito Santo de Deus, que convence o homem do pecado, da justiça e do juízo. Ora, quando o pecador se arrepende, confessa seu pecado e o deixa, transforma-se em uma nova criatura e seu histórico de pecados deve ser desconsiderado a partir de então. Por isso, se um ladrão não era digno de confiança antes de se arrepender e de ser alcançado pelo amor de Jesus, pode se tornar plenamente confiável, desde que sua conversão seja verdadeira.

O contexto do período de Jeremias

Do ponto de vista da moral bíblica, há virtudes inerentes a quem teme a Deus e anda nos seus caminhos. Logo, convivendo com as pessoas, não é difícil perceber quem, de fato, segue princípios divinos e, portanto, é digno de confiança.  

Em sentido contrário, quem se afasta do Senhor, normalmente, deixa de zelar por essas virtudes e, por consequência, é comum que esses indivíduos comecem a dar ouvidos a quem também não obedece aos preceitos bíblicos. “Um abismo chama outro abismo” (Sl 42:7).

Este foi o problema atacado por Jeremias: o povo havia se afastado de Deus (Jr 5) e, por isso, inclinava-se a conselhos humanos, contrários à palavra do Senhor, conforme veremos a seguir.

Antes do cativeiro de Judá, o povo preferia seguir conselhos humanos, supostamente espirituais, apresentados pelos falsos profetas Hananias e Semaías, que anunciavam livramento, paz e prosperidade para o povo judeu (Jr 14:13-16; 23:9-40; 28:1-17; 29:31), enquanto a palavra do Senhor, proferida por Jeremias, apontava em direção oposta. O profeta do Senhor trazia credenciais que o aprovavam diante de Deus. Era filho de sacerdote (Jr 1:1); vocacionado e consagrado (Jr 1:4-8); humilde e resignado (Jr 16:1, 8). Mas o povo, com um coração endurecido, estava iludido com os profetas vaidosos que viviam no palácio real e que só falavam o que eles queriam ouvir.  

Havia, portanto, um conflito entre a verdade e a mentira, entre o verdadeiro e o falso profeta. O primeiro, impopular, denunciava o pecado e indicava o caminho da correção, enquanto o segundo, honrado pelo rei, iludia o povo com falsas promessas. Quanto mais os moradores de Judá se deixavam levar pela mentira, mais ficavam furiosos com o profeta de Deus e indispostos a ouvir a verdade, intensificando as práticas que desagradavam ao Senhor.

Segundo os textos de Jeremias 5; 9:14; 17:19-27; e 22:1-5; a triste realidade do povo, antes do cativeiro na Babilônia, era a seguinte: atos de desonestidade, injustiças para com os pobres, adultério, prostituição, assassinatos, transgressões do sábado, perseguições aos verdadeiros profetas de Deus e cultos praticados ao deus sol. Também, concediam privilégios aos profetas que prometiam prosperidade, paz e segurança e não condenavam o pecado e a adoração a Baal. Esses pecados, logicamente, minavam as verdades bíblicas e o povo se afastava cada vez mais de Deus, caminhando para a destruição.

E quanto à liderança do povo? Os reis de Judá estavam avisados, mas não ouviam a palavra de Deus. Por exemplo: Jeoacaz, construiu seu palácio de modo corrupto, às custas da exploração do povo (Jr 22:11-15); Jeoaquim, por causa da sua ganância, auferia lucro desonesto, era corrupto, derramava sangue inocente e praticava opressão e violência (Jr 22:15-19). Quando o rolo de Jeremias foi lido diante do rei, ele o tomou e num acesso de ira cortou-o com um canivete e lançou-o no fogo (Jr 36:1-32). Além disso, confiado em seu braço, rebelou-se contra Nabucodonosor e foi atacado pelas tropas dos caldeus, dos sírios, dos moabitas e dos amonitas (2 Reis 24:1-2).

Depois da morte de Jeoaquim, seu filho, Joaquim, com apenas dezoito anos de idade, reinou por três meses em Jerusalém e “fez o que parecia mal aos olhos do Senhor, conforme tudo quanto fizera seu pai”. Por consequência, outra tragédia se abateu sobre Jerusalém (2 Reis 24:8-16).

O último rei de Judá, Zedequias, de igual modo, rejeitou a palavra de Deus que o orientava a submeter-se pacificamente ao domínio temporário de seus conquistadores e a não dar ouvido aos falsos profetas (Jr 27:1-11). Zedequias preferiu confiar em seu braço e  rebelou-se contra o rei Nacubodonosor (2 Crônicas 36:11-20), o que levou Jerusalém e o seu templo à destruição em 586 a.C.

Eis, portanto, o contexto em que Deus diz “maldito o homem que confia no homem e bendito aquele que confia no Senhor”.

Importante deixar claro que tal menção integra um ambiente de dualidade e contradição. De um lado estava o profeta de Deus e do outro estavam os falsos profetas, vaidosos, proferindo mentiras para agradar o povo. Deste mesmo lado estavam, ainda, os reis, que confiavam na força de seus exércitos, e o povo entregue ao pecado, afastado dos caminhos do Senhor e que confiava nas palavras dos falsos profetas e em reis corruptos.

Nesse ambiente, portanto, ante a separação entre a palavra de Deus e a palavra de homens afastados do Senhor, em quem confiar?

Maldito o homem que confia no homem

Esta afirmação é um apelo aos homens de Judá, cujos corações estão apartados do Senhor. Jeremias adverte aqueles que deixaram de confiar em Deus e passaram a confiar no homem e em suas habilidades (seu braço), senão vejamos:

“Assim diz o SENHOR: Maldito o homem que confia no homem, faz da carne mortal o seu braço e aparta o seu coração do SENHOR!” (Jeremias 17:5 RA)

Maldito é aquele que = confia no homem + faz da carne mortal o seu braço + aparta seu coração do Senhor

Notem que é maldito o homem que reúne essas características: confia no homem (gênero humano, humanidade), inclusive em si mesmo, pensando que aí está a sua força e salvação (seu braço), ao passo que se afasta de Deus (apóstata).

Por outro lado, apelando para que Judá desse ouvido aos conselhos e às profecias anunciadas pelo profeta, Deus diz em seguida:

“Bendito o homem que confia no SENHOR e cuja esperança é o SENHOR.” (Jeremias 17:7 RA)

Como se vê, não podemos utilizar somente a metade do verso 5 do capítulo 17 do livro do profeta Jeremias. Esse versículo não diz que não podemos confiar em homem algum. Lendo-o por inteiro, percebemos que a maldição se dirige àqueles que se afastam do Senhor, os quais passam a confiar em si mesmos e em pessoas que não são dignas de confiança. Isso fica mais claro quando invertemos a ordem da parte explicativa da sentença, do seguinte modo:

“Assim diz o SENHOR: Maldito o homem que aparta o seu coração do SENHOR, faz da carne mortal o seu braço e confia no homem!” (Jeremias 17:5 RA)

Nessa ordem, tendo em mente o contexto de Judá no tempo de Jeremias, podemos afirmar que aquele que se afasta do Senhor cai em desgraça (maldição), pois passa a confiar somente em homens.

De modo diverso, o homem com um coração em Deus, é bendito e digno de confiança, até porque sua esperança é o Senhor. Nessa condição, mesmo sendo falhos, tais homens são merecedores do voto de confiança, de Deus e dos homens, assim como Davi, Moisés, Jó, Paulo etc.

“Perguntou o SENHOR a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal. Ele conserva a sua integridade, embora me incitasses contra ele, para o consumir sem causa.” (Jó 2:3 RA)

“16 Mas graças a Deus, que pôs no coração de Tito a mesma solicitude por amor de vós; (...)  E, com ele, enviamos o irmão cujo louvor no evangelho está espalhado por todas as igrejas. 19  E não só isto, mas foi também eleito pelas igrejas para ser nosso companheiro no desempenho desta graça ministrada por nós, para a glória do próprio Senhor e para mostrar a nossa boa vontade; 20  evitando, assim, que alguém nos acuse em face desta generosa dádiva administrada por nós; 21  pois o que nos preocupa é procedermos honestamente, não só perante o Senhor, como também diante dos homens. 22  Com eles, enviamos nosso irmão cujo zelo, em muitas ocasiões e de muitos modos, temos experimentado; agora, porém, se mostra ainda mais zeloso pela muita confiança em vós.” (2 Coríntios 8:16-22 RA)

“Alegro-me porque, em tudo, posso confiar em vós.” (2 Coríntios 7:16 RA)

É verdade que há muitos versículos que nos ensinam que devemos confiar no Senhor, mas em todos eles está implícita a dualidade (o que Deus diz x o que o homem diz) ou a advertência para que não abandonemos ao Senhor para colocar nossa confiança nos valores terrenos.

A própria bíblia nos mostra que a lógica do relacionamento de Deus com o homem exige que se confie em homens.

Portanto, se fosse verdade que não podemos confiar em homem algum, o povo deveria esperar que Deus falasse diretamente das nuvens e não por meio de um profeta, que é homem como qualquer outro. Ao contrário disso, Deus espera que obedeçamos às suas palavras, as quais sempre foram anunciadas por meio de homens.

Em quem podemos confiar?

Vejamos o exemplo do próprio Deus. Para cumprir seus propósitos, o soberano confia naqueles cujos corações estão Nele. Ou seja, o Senhor observa o proceder dos homens e a inclinação de seus corações antes de confiar-lhes uma missão. Foi assim, por exemplo, com Davi, com Moisés e com Paulo:

“E, tendo tirado a este, levantou-lhes o rei Davi, do qual também, dando testemunho, disse: Achei Davi, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que fará toda a minha vontade.” (Atos 13:22 RA)

“Não é assim com o meu servo Moisés, que é fiel em toda a minha casa.” (Números 12:7 RA)

“Mas o Senhor lhe disse: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel;” (Atos 9:15 RA)

Logo, devemos fazer o mesmo. Precisamos conhecer as pessoas, suas inclinações, seu testemunho, sua sinceridade, sua seriedade e, principalmente, se temem a Deus e andam nos seus caminhos. Qualquer pessoa, enquanto esteja nessas condições, ainda seja falha, merece nossa confiança.

Uma esposa fiel a Deus, certamente, também será fiel ao seu marido:

“O coração do seu marido confia nela, e não haverá falta de ganho.” (Provérbios 31:11 RA)

Se os habitantes de Judá observassem essas características, teriam confiado na palavra de Jeremias e não nas palavras dos falsos profetas. Jeremias era fiel a Deus, honesto em todo o seu proceder, verdadeiro, humilde, comprometido com o seu chamado, além de estar trabalhando por vocação e não por qualquer outro interesse pessoal ou material. Essas eram as credenciais de Jeremias. Por seus frutos, merecia confiança.

Portanto, afirmar que não podemos confiar em ninguém é temerário e não se enquadra na própria realidade bíblica, onde Deus usa homens em seu nome e espera que os aceitemos, observando, é claro, seus frutos.

A psicopatia dos desconfiados e os falsos profetas

Quem vive desconfiado de tudo e de todos são os psicopatas, inseguros, traumatizados, aterrorizados pelo medo. O Transtorno de Personalidade “paranoide” é caracterizado por uma desconfiança difundida, encontrando motivos que são interpretados como um ataque ou possível ataque contra si. Esses, acabam alienados, doentes e neuróticos. A boa notícia é que há tratamento para esse mal.

Mas, e quanto aos falsos profetas, aos fariseus e aos maus obreiros, que estão disfarçados de crentes no meio da igreja?

“E Jesus lhes disse: Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus.” (Mateus 16:6 RA)

Acautelai-vos dos cães! Acautelai-vos dos maus obreiros! Acautelai-vos da falsa circuncisão!” (Filipenses 3:2 RA)

Jesus nos ensinou que estes têm corações afastados de Deus e nos disse o que devemos fazer para percebê-los, senão vejamos:

“15 Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. 16  Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos?” (Mateus 7:15-16 RA)

Também, é bom lembrar que o próprio Deus nos confiou um tesouro. Sim, agora, cabe-nos ser fieis no trato daquilo que recebemos do Senhor:

“pelo contrário, visto que fomos aprovados por Deus, a ponto de nos confiar ele o evangelho, assim falamos, não para que agrademos a homens, e sim a Deus, que prova o nosso coração.” (1 Ts 2:4 RA)

Portanto, não é pecado confiarmos nas pessoas.  Mas, se não observamos, previamente, seus frutos, não podemos culpar Deus quando somos traídos ou enganados. Também, não podemos nos fechar para outros relacionamentos ante às decepções. Desconfiança indiscriminada é sinal de desajuste mental. O que temos a fazer é agir com cautela da próxima vez, observando o conselho de Deus.

A paralisia dos desconfiados e traumatizados

Não podemos permitir que as decepções e experiências ruins que tenhamos passado com pessoas ou grupos nos intimidem e nos paralisem, impedindo o nosso chamado e vocação.

Se o apóstolo Paulo tivesse ficado paralisado em razão de suas experiências traumatizantes, certamente teria voltado atrás, abandonando sua vocação, queixoso contra os homens e contra o próprio Deus.

Mas, apesar da perseguição dos falsos religiosos e das investidas contra sua vida, Paulo seguiu em frente, cumprindo sua missão e, ainda, confiou o evangelho a outros presbíteros levantados por ele em suas viagens missionárias.

“21 E, tendo anunciado o evangelho naquela cidade e feito muitos discípulos, voltaram para Listra, e Icônio, e Antioquia, 22  fortalecendo a alma dos discípulos, exortando-os a permanecer firmes na fé; e mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus. 23  E, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido.” (Atos 14:21-23 RA)

E Paulo não sofreu apenas no relacionamento com seus irmãos fariseus.  Certa vez, sentindo-se injustiçado por ter sido abandonado no meio de uma missão, enfrentou grande luta interior, a qual chegou a separá-lo de alguns de seus companheiros cristãos, senão vejamos:

“36 Alguns dias depois, disse Paulo a Barnabé: Voltemos, agora, para visitar os irmãos por todas as cidades nas quais anunciamos a palavra do Senhor, para ver como passam. 37 E Barnabé queria levar também a João, chamado Marcos. 38 Mas Paulo não achava justo levarem aquele que se afastara desde a Panfília, não os acompanhando no trabalho. 39 Houve entre eles tal desavença, que vieram a separar-se. Então, Barnabé, levando consigo a Marcos, navegou para Chipre. 40 Mas Paulo, tendo escolhido a Silas, partiu encomendado pelos irmãos à graça do Senhor. 41 E passou pela Síria e Cilícia, confirmando as igrejas.” (Atos 15:36-41 RA)

No primeiro momento, ainda sentindo a dor do abandono e da separação, seguiu em frente, cumprindo seu ministério. E quando lemos sua segunda carta dirigida a Timóteo, notamos que o apóstolo sofreu decepções até nos momentos finais de sua vida, conforme vemos a seguir:

“6  Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da minha partida é chegado. 7  Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. 8  Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda. 9 Procura vir ter comigo depressa. 10  Porque Demas, tendo amado o presente século, me abandonou e se foi para Tessalônica; Crescente foi para a Galácia, Tito, para a Dalmácia. 11  Somente Lucas está comigo. Toma contigo Marcos e traze-o, pois me é útil para o ministério.” (2 Timóteo 4:6-11 RA)

Interessante é que o citado texto, além de nos mostrar que Paulo estava aguardando sua execução com o sentimento de dever cumprido, ele estava firme em sua fé e com sua alma liberta de todo ressentimento. Tanto é assim que ele manda chamar Marcos, o mesmo que o havia abandonado tempos atrás, mas que, continuava amando e contando com ele em seu ministério.

Paulo é um exemplo de que, apesar das circunstâncias traumatizantes, podemos superar nossas crises e sentimentos de injustiça com uma alma liberta, curada, sem rancor, sem ódio, sem ressentimentos e sem desejo de vingança. Se no primeiro momento Paulo estava ressentido com Marcos, a história nos mostra que o amor (ágape - atitude) foi superior, de modo que a missão de cada um deles foi cumprida cabalmente. Eles não ficaram paralisados na desconfiança, no medo da traição, do abandono e da injustiça. Em outras palavras, Paulo disse: “traz Marcos, pois ele me é útil para o ministério e eu confio nele”. De fato, Marcos foi o evangelista que primeiro registrou o evangelho de Cristo. Paulo não errou ao confiar novamente em Marcos.

A santificação traz cura

Como vimos, quem desconfia de tudo e de todos está precisando de tratamento. Isso não é normal. Entre diversos cuidados terapêuticos possíveis, inclusive no campo da psiquiatria, há, também, um poderoso remédio bíblico para esse mal: a santificação da alma.

Normalmente, descrevemos a santificação como a ação de nos separarmos do pecado, deixando de praticá-lo ou de apoiá-lo, no caso de sermos omissos ou coniventes com quem o pratica.

Entretanto, quando o assunto é santificação, a bíblia vai além do ato de fazer o que Deus manda ou de deixar de fazer algo que Deus reprova. O simples pensamento que arquiteta, maquina, cobiça ou planeja o mal já gera o ambiente de trevas onde o Diabo e seus espíritos malignos têm liberdade de transitar, agir ou influenciar.

O décimo mandamento diz: “Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença ao teu próximo.” (Êx 20:17). Note-se que a cobiça é apenas uma ação da mente, um produto dos pensamentos que geram desejos que se transformam em planos. Neste caso, não é necessário adulterar, por exemplo. O simples fato de desejar já caracteriza a violação do mandamento de Deus.

No sermão do monte, Jesus ratifica o sentido desse mandamento quando diz que “qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela.” (Mt 5:28). Ou seja, não é necessário manter qualquer relação íntima de fato. Basta que a mente de alguém casado desenvolva um plano impuro fora do casamento e o adultério já se consuma. É bom esclarecer que, neste caso, Jesus não está falando que não se pode olhar, mas que não se pode ter uma intenção impura na mente. Quando o homem, em sua mente, começa a maquinar o mal, com a intenção de colocá-lo em prática já pecou. E, como sabemos, o pecado faz separação do homem com Deus, que é luz. E sem luz, há trevas. E nas trevas, o mal tem o ambiente adequado para operar, assim como o ladrão age na escuridão da noite (Jo 11:9,10; 1 Ts 5:2,4, 7-8).

Por isso Paulo recomendou que os filipenses mantivessem suas mentes limpas, cultivando apenas o bem, senão vejamos:

“Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento.” (Filipenses 4:8 RA)

Ora, bons pensamentos não se transformam em planos maus. Antes, produzem o bem. Bons pensamentos afastam qualquer possibilidade de pecado na mente e, por consequência, de trevas e de ação maligna. O contrário é verdadeiro. Pensamentos maus, geram planos maus, pecados, e trevas. 

Eis a razão de muitas pessoas viverem atormentadas em suas próprias mentes. Cultivam maus pensamentos e sentimentos. Esses são a matéria prima para a ação maligna. Das mentes atormentadas vêm a depressão, as doenças psicossomáticas e diversas psicopatias. Evidentemente, uma mente doente adoece o corpo.

Como reverter, portanto, um quadro de transtorno social, como é o caso das pessoas que desconfiam de tudo e de todos? Simples: santificando a mente, ou seja, livrando-se dos maus pensamentos. Ressentimento, ódio, rancor, mágoas e sentimento de injustiça, por exemplo, procedem de pensamentos maus e geram desejo de vingança. Isso é pecado, ambiente de trevas e de ação maligna atormentadora. Tudo o que se tem que fazer, neste caso, é perdoar o causador desses sentimentos e os pensamentos maus perderão a razão de existir. É necessário liberar definitivamente os ofensores.

É certo que há muitas pessoas que têm dificuldades para perdoar. Mas, existem muitos pastores, atualmente, que sabem trabalhar muito bem com essas pessoas. Há, inclusive, terapias cristãs que facilitam esse processo. Seja como for, o fato é que as pessoas que não conseguem perdoar, mantêm a mente fixa em pensamentos maus, dia e noite. Isso é um tormento e adoece, inclusive o corpo.

Importante repetir. A solução vem pelo perdão. Sem perdoarmos os nossos ofensores, ficamos presos a eles e, no mundo espiritual, somos entregues aos verdugos, que são torturadores, como podemos ver na seguinte parábola de Jesus:

“32  Então, o seu senhor, chamando-o, lhe disse: Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda porque me suplicaste; 33  não devias tu, igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti? 34  E, indignando-se, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que lhe pagasse toda a dívida. 35  Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão.” (Mateus 18:32-35 RA)

Pois bem, precisamos entender que a nossa saúde mental e física pode ser afetada não pelo fato traumático que nos sucedeu, mas pelo modo como reagimos e nos deixamos afetar por eles. Por exemplo, há pessoas que olham para um fato decepcionante e perdoam aquele que as decepcionaram, seguindo em frente, com alguns cuidados, mas sem ficar paralisadas. Essas pessoas não deixam de se relacionar com outras pessoas só porque foram frustradas em um relacionamento anterior.

Diferentemente, há pessoas que passam por uma situação decepcionante e não perdoam aqueles que as decepcionaram. Assim, ficam atormentadas pelos pensamentos maus (verdugos), sentindo-se injustiçadas, fazendo-se de vítimas, coitadinhas, que não podem nem imaginar passar por outro relacionamento semelhante. Normalmente, essas pessoas, além das fobias que desenvolvem, ficam com o corpo adoecido pelas conhecidas doenças psicossomáticas.

Por isso, a bíblia nos oferece conselhos e exemplos de personagens que não ficaram paralisados por causa de traumas e decepções vivenciados, a exemplo de José e do apóstolo Paulo. Este último, como já vimos, após ser abandonado por Marcos, ficou chateado, mas perdoou e tornou a se relacionar com ele normalmente. No fim de sua vida, sua alma estava liberta, grata ao Senhor e pronta para ser recebida na glória.

Assim, pela santificação da alma, que é a preservação de nossa mente de pensamentos e sentimentos maus (rancor, ódio, inimizades e desconfianças infundadas etc.), podemos ser curados, inclusive de muitos males do nosso corpo.

Mente saudável, corpo saudável! Espírito reto, vida reta!

“O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.” (1 Ts 5:23 RA)

Conclusão

Portanto, é certo que confiamos em Deus. Mas, é exatamente o fato de estarmos próximos a Deus e de conhecermos a transformação de caráter que Ele opera na vida daqueles que se entregam, sinceramente, a Ele é que nos leva a confiar, também, nos homens. Isso não é pecado, mas, por dever de cautela, devemos, previamente, buscar conhecer as pessoas e observar os frutos que elas produzem. Só não podemos ser como os psicopatas que não confiam em ninguém. Se estamos nos comportando assim, precisamos de tratamento.

É verdade que podemos, ao longo da vida, passar por experiências traumatizantes, mas, devemos seguir o exemplo do apóstolo Paulo e superar nossas crises e sentimentos de injustiça, olhando para o nosso alvo e seguindo em frente. O perdão é a chave.

No mais, havendo conflito entre o que Deus diz e o que os homens dizem, confiamos em Deus.

 

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