Casamento: contrato ou aliança?

Casamento: contrato ou aliança?

No último século, mais especificamente nos seus 50 anos finais, os povos do ocidente experimentaram uma mudança significativa em seus valores fundamentais. A igreja não ficou de fora dessa transformação. Uma das principais mudanças de valor que atingiu a sociedade ocidental e a igreja diz respeito ao casamento.

Nesta mensagem, vou emprestar alguns conceitos do Pr. Craig Hill que expressam sua perspectiva quanto à substituição do compromisso feito por meio de aliança pelo compromisso firmado por meio de um simples contrato.

A partir do conceito que adotamos para o nosso relacionamento conjugal nos vinculamos a determinados resultados, que serão apresentados mais a frente.

 

Texto base

(Lucas 22:20 RA) “ Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós.”

 

O exemplo de Jônatas e Davi

 

Tenho plena convicção de que é o amor que conduz a aliança entre duas pessoas, ou melhor, a aliança é motivada pelo amor, que se expressa em atitude. A pessoa que faz uma aliança com outra, sabe que está se comprometendo seriamente com ela e que isso será por toda a sua vida.

A bíblia tem muitos exemplos de alianças firmadas entre homens e entre Deus e os homens. Para o momento, selecionamos apenas dois – a aliança entre Jônatas e Davi e um compromisso idêntico que Rute fez com sua sogra Noemi.

Vejamos primeiramente o exemplo de Jônatas e Davi, constante do texto bíblico de 1 Samuel 18:

"Sucedeu que, acabando Davi de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a de Davi; e Jônatas o amou, como à sua própria alma. Saul naquele dia o tomou, e não lhe permitiu que tornasse para casa de seu pai. Jônatas e Davi fizeram aliança; porque Jônatas o amava como à sua própria alma. Despojou-se Jônatas da capa que vestia e a deu a Davi, como também a armadura, inclusive a espada, o arco, e o cinto." (1 Samuel18.1-4).

Nesta aliança, percebe-se que foi estabelecido um compromisso mais valioso do que até mesmo suas próprias vidas. Estão implícitos nesta aliança os seguintes termos: "tudo o que tenho e sou é seuOs seus inimigos são meus inimigos e estou pronto a entregar até a minha própria vida por você, se for necessário."

 

O exemplo de Rute

Rute, ao ser instada a deixar Noemi, quando esta voltava de Moabe para Israel, decidiu unilateralmente que não deixaria sua sogra e que estaria com ela até a morte, conforme se vê no texto a seguir:

(Rute 1:15-17 RA)15 Disse Noemi: Eis que tua cunhada voltou ao seu povo e aos seus deuses; também tu, volta após a tua cunhada.16 Disse, porém, Rute: Não me instes para que te deixe e me obrigue a não seguir-te; porque, aonde quer que fores, irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus. “ Onde quer que morreres, morrerei eu e aí serei sepultada; faça-me o SENHOR o que bem lhe aprouver, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti.”

Nesta aliança, percebe-se que Rute decidiu livremente por seguir Noemi, desprezando seus valores e interesses pessoais. Observa-se que Rute confiou plenamente em Noemi e em seu Deus, sentindo plena segurança ao ligar definitivamente sua vida à vida de sua sogra, independentemente das circunstâncias futuras.

 

A aliança – o exemplo de Deus

O nosso Deus fez a seguinte aliança com o homem: por amor, comprometeu-se dando o que Ele tinha de melhor para resgatar o homem da morte (Jo 3:16 – 1Jo 4:10). Deus enviou o seu próprio filho para ser sacrificado, tomando sobre si a punição destinada ao homem estabelecendo, assim, uma nova aliança pelo sangue de Jesus (Lc 22:20). 

Deste modo, Deus firmou uma aliança com a humanidade, garantindo que qualquer homem, por mais pecador que seja (Is 1:18), ao aceitar o sacrifício do Senhor Jesus, será resgatado da morte, que é a recompensa do pecado (Rm 6:23).

Esta aliança, Deus não a quebrou mesmo quando Jesus pediu para que Ele reconsiderasse sua palavra para o livrar daquele cálice (Mt 26:39). De igual modo, Deus não quebrou a aliança que fez com o homem quando seu filho estava sendo esmurrado, escarnecido, cuspido e castigado por malfeitores (Mt. 26:67 – Mt. 27:28-31). Por fim, Deus não quebrou a aliança que fez com o homem nem mesmo quando Jesus estava morrendo, quando clamou por seu Pai, que parecia tê-lo desamparado (Mt 27:46).

Partindo do exemplo do próprio Deus, podemos tirar algumas conclusões sobre o conceito de aliança. Aliança é um compromisso unilateral (ato de amor), irrevogável (não volta atrás), indissolúvel (não se desfaz pelas circunstâncias), válido até a morte e não depende do desempenho da outra parte (o homem não estava correspondendo, mas mesmo assim Deus cumpriu com sua aliança).

 

A aliança e os povos do oriente

Os povos do oriente até hoje valorizam suas alianças. Afinal, a própria palavra de Deus foi inicialmente estabelecida no oriente. Por isso, muito da apresentação bíblica do relacionamento de Deus com o homem está expresso em terminologia de aliança de sangue. Por séculos, os orientais têm conhecido e praticado alianças. Para o oriental, uma aliança de sangue é o acordo mais íntimo, mais sagrado, mais duradouro e mais comprometedor conhecido pelos homens. Uma aliança não pode ser quebrada sob qualquer argumento.

Por ser um compromisso tão sagrado, o oriental prefere morrer a quebrar uma aliança, já que para eles a palavra de um homem em um voto ou aliança tem mais valor do que a sua vida. Diz-se que há 100 anos se um homem quebrasse uma aliança na África até mesmo seus parentes ajudariam a caçá-lo para matá-lo.

Estes tipos de entendimentos ainda existem hoje nas culturas do oriente e do oriente médio. É por isso que ainda existem problemas seriíssimos em muitos países para um muçulmano se tomar um cristão. Na forma deles pensarem, o homem está em aliança, através do islamismocom Deus e seus irmãosAo se tornar cristão, de acordo com o pensamento oriental, um homem está quebrando uma aliança com Deus e com seus irmãos, e assim é digno de morte. Em muitas culturas, a sua própria mãe jura buscar sua morte. A aliança, portanto, é um compromisso irrevogável, indissolúvel, quebrável somente pela morte.

 

O contrato

O conceito de contrato, por sua vez, é inteiramente diferente. O contrato raramente é  motivado pelo amor, mas por interesses mútuos. Pode até haver sentimentos afetivos envolvidos, mas o contrato em si é estabelecido para a formalização da vontade das partes em relação a um objeto, passando a ser uma garantia do seu cumprimento.

O contrato é um acordo bilateral de vontades para o fim de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações. Mediante o contrato, as partes ficam comprometidas a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Segundo o direito clássico, o contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda) e deve ser fielmente cumprido, sob as penas da lei e das sanções previamente estabelecidas no próprio termo contratual. Logo, um espera algo do outro. Se o outro não cumpre com suas obrigações, o contrato pode ser rescindido, ressalvado o direito de reparação de perdas e danos ou indenização, conforme o caso.

Assim, quando uma parte não cumpre sua obrigação, a outra não tem nenhuma obrigação de cumprir seu compromisso, podendo, inclusive rescindir o pacto. Este não é o caso de uma aliança, que independe do desempenho da outra parte e que não se pode rescindir a não ser pela superveniência da morte.

 

Casamento – aliança ou contrato?

Um casamento que se estabelece com base em uma aliança, seguramente, será mais eficaz no atingimento do propósito de Deus para o relacionamento conjugal e familiar.

No tempo de nossos pais, o conceito de casamento era de aliança, e não de contrato. O conceito de casamento na Palestina Judaica, na época de Jesus, definitivamente, era o conceito de aliança. Há pouco tempo, a igreja via o casamento como uma aliança e não como um contrato.

Infelizmente, depois de um período de tempo, o mundo incrédulo, por causa de uma alegada preocupação pelo indivíduo, começou a abandonar o valor bíblico de aliança no casamento e em seu lugar abraçou o valor de contrato. A maior parte da igreja, ao invés de ser o sal e a luz que deveria ser, permitiu que o mundo a influenciasse e, ultimamente, abraçou os mesmos valores. Ao fazê-lo, participamos na liberação de uma força maciça destrutiva da sociedade, que está devastando casamentos e famílias.

Esta troca do valor de aliança pelo valor de contrato é o maior responsável pelo abuso e desvio que estão ocorrendo nas famílias.

Quando, no casamento, damos o devido valor à aliançadizemos ao parceiro: "Estou irrevogavelmente comprometido com você até que a morte nos separe. Meu compromisso com você não tem nada a ver com o seu desempenho ou qualquer escolha que você fizer. É um compromisso unilateral diante de Deus até a morte." Este é o compromisso que Jesus fez conosco. "De maneira alguma te deixarei nunca jamais te abandonarei" (Hebreus 13.5).

Numa situação de contrato, por outro lado, dizemos, "Vou conservar o lado da minha barganha se você conservar o seu. Se você não me fizer infeliz ou não fizer o que você prometeu, vou deixá-lo e acharei alguém que me faça feliz e mantenha suas promessas. E se você me deixar, então eu definitivamente o deixarei e encontrarei uma outra pessoa".

Quanto a nós, estamos contentes em saber que o nosso relacionamento com Deus é firmado na base da aliança e não do contrato, pois estamos seguros que Ele cumpre fielmente sua parte, mesmo sendo nós pecadores e falhos.

 

Reflexos da opção (contrato ou aliança) sobre o relacionamento conjugal

Um casamento estabelecido com base contratual é tanto mais flexível quanto mais instável. Os cônjuges estão conscientes que o relacionamento não passa de uma aventura que pode ou não dar certo. Como as probabilidade indicam que a maioria não dá certo, melhor que seja mais fácil de desfazê-lo. Por isso, a própria legislação tem facilitado a dissolução do casamento.

Respeitando as probabilidades, a união dos cônjuges hoje está marcada de precauções, onde não há uma entrega total das partes envolvidas. Os relacionamentos contratuais, de modo geral, têm as seguintes características:

a)      Ajuntamento experimental – as dúvidas quanto à adaptação à vida a dois sugerem que a união seja uma experiência, dispensando, assim, a formalização civil, que poderia complicar futura separação. A ideia é de apenas “morar juntos” para fazer um teste. Neste caso, nem sempre há uma disposição mútua de formação de uma unidade familiar, mas a simples ideia de facilitar o relacionamento amoroso;

b)      Não unem patrimônio – o que é meu é meu e o que é seu é seu. Cada um paga uma parte das contas, possuem contas separadas e um não precisa saber o que o outro faz com o seu dinheiro. Quanto melhor a situação individual de um dos cônjuges, maiores precauções são tomadas. Agindo assim, cada cônjuge dá uma demonstração de desconfiança e uma prova de que não são uma só carne. Estão sempre prontos para a separação;

c)      Não se desligam completamente dos vínculos paternos – a mamãe está sempre pronta para me acolher se houver o menor desentendimento;

d)     Minha felicidade é mais importante (egoísmo):

a.        se o outro não me faz feliz (não faz tudo exatamente como eu quero – menino mimado), “a fila anda”;

b.       meu cônjuge tem que atender todas as minhas expectativas de beleza, juventude, comportamento, sexo etc., mesmo com o passar dos anos. Engordou? Envelheceu? Já não é mais tão belo(a)? Já não tem tanta disposição para o sexo? Não serve mais.

Diferentemente, no casamento firmado na base da aliança, por não trabalhar com a possibilidade de rompimento, a não ser pela morte, os cônjuges se esforçam muito mais para que haja entendimento em todas as áreas de suas vidas, uma vez que comprometeram suas próprias vidas pela vida e satisfação do outro, independentemente do modo que ele venha a corresponder.

Em razão desta disposição, os cônjuges estão sempre procurando por ajustamento (aconselhamento e prática), o que, naturalmente, leva a um amadurecimento do casal e torna o relacionamento estável e sem dissolução da família.

 

Reflexos da opção (contrato ou aliança) sobre a família

A família é o porto seguro do homem. É o lugar onde ele recebe amor, carinho, proteção, correção e é instruído para ser um adulto responsável e bem sucedido. Uma família bem estruturada é o ambiente ideal para a formação do homem.

Mas, só existe família bem estruturada se o casamento for bem estruturado com as bases dos princípios de Cristo. Se os cristãos, que devem representar os valores de Deus, abraçarem os mesmos valores da sociedade à volta deles, então não há lugar algum para se buscar o retrato correto do relacionamento.

Se o casamento cristão estiver fundado nas bases contratuais, as conseqüências dessa escolha certamente impactarão no coração dos filhos. O primeiro modelo de relacionamento aprendido por uma criança vem por meio do relacionamento de seus próprios pais. É nesse ambiente que se forma na mente da criança a imagem de segurança, proteção, respeito, autoridade, disciplina, amor e carinho.

Quando, por exemplo, a figura paterna se afasta do propósito de Deus e o pai abandona sua mãe e sua casa, distorce, de algum modo, o conceito de amor na mente do filho. O amor passa a significar apenas um sentimento compatível com o egoísmo – amor próprio. O filho fica com a sensação de que não é importante para o pai e sente-se desprotegido, já que o pai não está constantemente presente em sua vida.  Desse modo, fica muito difícil dissociar a imagem paterna da imagem que se forma de Deus, já que Deus é apresentado à criança como pai. Esse é um dos motivos que o homem tem maior facilidade de aceitar a divindade feminina, já que, normalmente, a mãe é mais carinhosa e é quem fica com os filhos quando o casamento se desfaz.

Por isso, quando uma criança olha para seus pais e vê o valor de contrato apresentado em seus casamentos, isso tende a liberar um tremendo medo de abandono no coração dela. Por quê?

Porque a mensagem do casamento contratual  é: "Se você me faz infeliz e não atinge o nível desejado, vou te deixar e achar outra pessoa" – então, a criança pensa: "Imagino o que acontecerá comigo se não o(a) fizer feliz e não atingir o nível desejado?". Esse sentimento é naturalmente transferido para Deus.

Isso cria um tremendo temor de abandono até mesmo no relacionamento com Deus e resulta numa ênfase exagerada no desempenho e perfeccionismo“É melhor fazer tudo direitinho e nunca pecar ou você não será aprovado”. Outros podem até pensar que Jesus pode rejeitá-los e sair à procura de pessoas que façam as coisas corretamente. Perfeccionismo e tentativa de desempenho excepcional podem, então, ter suas raízes nesta disfunção familiar.

 

Reflexos da opção (contrato ou aliança) sobre Cristo e sua igreja

Os casamentos contratuais, dificilmente se sustêm, pois egoísmo e interesse em satisfação pessoal nunca foram as bases de sustentabilidade de relacionamentos.

Por conseqüência, o modelo de casamento contratual tem atentando conta a imagem do relacionamento de Cristo com sua igreja.

Em Efésios 5.22-23 Paulo declara que o casamento é o retrato principal do relacionamento entre Cristo e a Igreja. Isso significa que se eu quiser saber como Jesus se relaciona comigo, devo olhar no relacionamento de, um homem com sua esposa. Se, ao fazê-lo, o valor fundamental que vejo representado é o valor de aliança, então estou recebendo um retrato correto.

Todavia, se ao fazê-lo, o valor fundamental que vejo representado é o de contrato, então uma imagem errada do meu relacionamento com Jesus se estabelece no meu coração. Este não é um processo mental necessariamente consciente, mas automaticamente abraçamos o modelo de nossos pais e outros modelos significativos.

No meu relacionamento com Jesus, a conclusão do coração é que eu represento o papel de minha mãe (sou parte da igreja) e Jesus o de meu pai. Se eu não for perfeito e não conseguir fazer tudo certinho para agradá-lo em todos os detalhes, Ele também vai me descartar e encontrar uma outra pessoa, que faça as coisas melhor do que eu faço.

 

Qual a nossa decisão? Contrato ou aliança?

Uma vez que o homem é livre para escolher aquilo que considera melhor para sua vida, pode escolher qual o nível de comprometimento deseja para o seu casamento, para a sua família, para o seu relacionamento com Deus e para o eu relacionamento com a igreja do Senhor Jesus.

Contratos, podem ser feitos, formalmente, no cartório ou simplesmente aceitando-se os termos contratuais já estabelecidos no código civil para a união estável. Nesta opção, já se sabe exatamente o que se quer e o que se pode esperar como resultado.

Não há dúvida que Deus deseja o “aliançamento”, como já referido, pois Ele mesmo é um Deus de alianças e promessas. A igreja, por sua vez, não pode abrir mão deste compromisso de aliança, já que é responsável por apresentar ao mundo o retrato do relacionamento de Jesus com a igreja e de Deus para com o homem em particular.

A igreja, ao se reunir para uma cerimônia de casamento, ou de aliançamento, está testemunhando a decisão tomada pelo casal, de desenvolver um relacionamento com base nos termos de uma aliança,  que, como já referido, é um compromisso unilateral (ato de amor), irrevogável (não volta atrás), indissolúvel (não se desfaz pelas circunstâncias), válido até a morte e não depende do desempenho da outra parte (o homem não estava correspondendo, mas mesmo assim Deus cumpriu com sua aliança).

Deste modo, a igreja também aproveita para reforçar a mensagem de que o relacionamento de Deus com o homem é de aliança, uma vez que Deus promete que, independentemente da condição do homem, Ele nunca o desampara:

(Salmos 27:10 RA) “Porque, se meu pai e minha mãe me desampararem, o SENHOR me acolherá.”

(Romanos 8:38-39 RA) “38  Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, 39  nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.”

Que o Espírito Santo de Deus nos auxilie em nossas escolhas.