A instituição e a finalidade do dízimo na Lei de Moisés

A instituição e a finalidade do dízimo na Lei de Moisés

A instituição do dízimo

 

A primeira ordem de Deus acerca do dízimo foi registrada no livro de Levítico, momento em que Deus, expressamente, consagra para si o percentual de 10% de toda a produção da terra, conforme podemos ver a seguir:

 

“30 Também todas as dízimas da terra, tanto dos cereais do campo como dos frutos das árvores, são do SENHOR; santas são ao SENHOR. 31 Se alguém, das suas dízimas, quiser resgatar alguma coisa, acrescentará a sua quinta parte sobre ela. 32 No tocante às dízimas do gado e do rebanho, de tudo o que passar debaixo do bordão do pastor, o dízimo será santo ao SENHOR. 33 Não se investigará se é bom ou mau, nem o trocará; mas, se dalgum modo o trocar, um e outro serão santos; não serão resgatados. 34 São estes os mandamentos que o SENHOR ordenou a Moisés, para os filhos de Israel, no monte Sinai.” (Lv 27:30-34, grifo nosso).

 

Desde então, uma parcela da produção anual de cada família produtiva passou a não mais lhe pertencer, uma vez que o Soberano criador e dono de todas as coisas disse: esta porção é minha!

 

No trecho bíblico citado, notamos que a instituição do dízimo segue o princípio essencial de toda oferta requerida por Deus: somos mordomos do que não é nosso. Por isso, na vigência da Lei, Deus diz que as dízimas dos cereais e dos frutos da terra eram dele. Se o homem quisesse ficar com essa porção, deveria resgatá-la, ou seja, pagar o seu preço acrescido de 20%. Ora, as dízimas da terra eram resultado do trabalho do homem, de seu esforço, de sua dedicação. Mas, Deus diz: é meu!

 

É claro que Deus não fazia isso por capricho e nenhuma oferta instituída tinha um fim em si mesma. Havia sempre um propósito de abençoar o homem. Deus não instituiu o dízimo como se ele precisasse dele para si. É bom recordar que tudo é dele, inclusive a Terra “e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam.” (Sl 24:1; 1Co 10:26). Veja-se que a porção consagrada das ofertas e dos dízimos era redirecionada ao sacerdócio, cujo objetivo era servir ao próprio ofertante.

 

Até mesmo na oferta de holocausto, onde todo o sacrifício era queimado e dele nada podia ser destinado à satisfação do apetite humano, nota-se um propósito misericordioso de Deus em favor do homem. O iníquo, corrupto, impuro, profano e injusto deveria morrer pelo seu pecado, mas a oferta do holocausto dirigida a Deus apontando para uma outra oferta bem maior, mais cara e mais excelente, era dirigida ao homem: o sacrifício do Filho de Deus que, sem defeito, ofereceu-se por inteiro pelo pecado de toda a humanidade. Logo, do modo como a Lei foi estabelecida, o ofertante é o maior agraciado.

 

Portanto, estudar a lei do dízimo exige, inicialmente, que compreendamos que o Senhor não é um explorador da boa vontade humana. Ao contrário, é misericordioso, amoroso, benevolente e justo em todos os seus caminhos. Sabendo disso, a melhor coisa que temos a fazer é obedecê-lo. Se for por meio da Lei, obedeçamos, mas se for pela graça, melhor assim.

 

Finalidade do dízimo na Lei

 

A leitura bíblica da história dos hebreus nos mostra que foi Deus quem os tirou da escravidão egípcia, conduziu-os e supriu-os no deserto até chegarem à terra de Canaã. Quando tomaram posse da terra, Deus ordenou sua repartição entre as tribos de Israel. Somente os filhos de Levi não deveriam receber sua porção, pois, desde a instituição da Lei, eles já haviam sido separados para servir ao Templo e ao culto de todo o povo. De fato, os sacerdotes e levitas não receberam herança alguma na terra de Israel, de modo que tinham que confiar em Deus para o provimento de suas necessidades. Os dízimos da produção das famílias de Israel foi o modo escolhido por Deus para sustentá-los, como podemos ver no texto a seguir:

 

“20 Disse também o SENHOR a Arão: Na sua terra, herança nenhuma terás e, no meio deles, nenhuma porção terás. Eu sou a tua porção e a tua herança no meio dos filhos de Israel. 21 Aos filhos de Levi dei todos os dízimos em Israel por herança, pelo serviço que prestam, serviço da tenda da congregação.” (Nm 18:20-21, grifo nosso).

 

Os levitas recebiam os dízimos do povo e repassavam 10% aos sacerdotes (Nm 18:26-28). Além dos dízimos recebidos dos levitas, os sacerdotes tinham direito a determinadas porções de diversos sacrifícios (Lv 6:14-16; Lv 7:28-38), bem como as primícias e os animais primogênitos (Nm 18:8-20). Assim, como os sacerdotes e os levitas não receberam herança na terra de Israel, tudo o que tinham era a garantia de Deus de que seriam supridos pelas demais tribos que haviam ganhado suas propriedades das mãos do Senhor, senão vejamos:

 

“1 Disse o SENHOR a Arão: Tu, e teus filhos, e a casa de teu pai contigo [...] 5 Vós, pois, fareis o serviço do santuário e o do altar, para que não haja outra vez ira contra os filhos de Israel. 6 Eu, eis que tomei vossos irmãos, os levitas, do meio dos filhos de Israel; são dados a vós outros para o SENHOR, para servir na tenda da congregação. [...] 8 Disse mais o SENHOR a Arão: Eis que eu te dei o que foi separado das minhas ofertas, com todas as coisas consagradas dos filhos de Israel; dei-as por direito perpétuo como porção a ti e a teus filhos. [...] 19 Todas as ofertas sagradas, que os filhos de Israel oferecerem ao SENHOR, dei-as a ti, e a teus filhos, e a tuas filhas contigo, por direito perpétuo; aliança perpétua de sal perante o SENHOR é esta, para ti e para tua descendência contigo.” (Nm 18:1-19, grifo nosso).

 

Como se vê, Deus deu aos sacerdotes e aos levitas um encargo e prometeu-lhes uma recompensa, um salário. Eles não teriam que trabalhar no campo, nem na agricultura, nem na pecuária, nem no pastoreio e nem na piscicultura. Também, não seriam comerciantes, artífices ou profissionais autônomos. O ofício dos sacerdotes e dos levitas era exclusivamente cuidar do serviço do santuário, do altar e da tenda da congregação. O contrato de trabalho desses homens foi assinado pelo próprio Deus em ato público universal e previa suas obrigações e a forma como seriam remunerados. Na prática, os levitas se tornaram mais que operadores do culto levítico. Eles passaram a exercer funções equiparadas aos nossos serviços públicos de inspeção sanitária (Lv 13:1-57; Mc 1:44), policiamento (Mt 26:47; At 9:14), Departamento de Justiça (Mt 26:59; At 5:27), Suprema Corte (Dt 17:8-13), e Departamento da Educação (Ne 8:7; Mt 23:2-3).

 

Oliveira (2005, p. 51), esclarece que “Além dessas funções político-administrativas, os levitas conservavam as suas funções eclesiásticas originais. De acordo com I Crônicas eles eram supervisores na Casa do Senhor (23:4), atuando como coristas, músicos, guardas das portas e guardas do limiar (9:14-33). Atuavam também como oficiais, juízes, artesãos para os serviços do Templo, supervisores dos depósitos e dos pátios, e responsáveis pelos tesouros do Templo (I Cr 9:22, 26 -27; 23:4, 28; etc.)”

 

Como os sacerdotes e os levitas foram incumbidos de diversas tarefas em favor do povo e, além de não receberem herança ainda foram proibidos de exercer outras atividades, deixar de pagar-lhes o devido, além de uma injustiça para com eles seria uma desonra ao Senhor, que se comprometeu em sustentá-los por meio das ofertas e do dízimo de todo o povo (Dt 14:27-29). Essa foi a razão da indignação de Deus quando o povo deixou de sustentar os sacerdotes e os levitas, conforme veremos mais adiante no estudo do livro de Malaquias.

 

Afora a consumação da justiça aos sacerdotes e levitas, do ponto de vista do dizimista hebreu, a Lei deixa bastante claro que a entrega dos dízimos seria um momento de alegria e um memorial de gratidão pelo modo como Deus os tirou da escravidão, os sustentou no deserto e os deu a terra prometida por herança, senão vejamos:

 

“1 Ao entrares na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá por herança, ao possuí-la e nela habitares, 2 tomarás das primícias [dízimas] de todos os frutos do solo que recolheres da terra que te dá o SENHOR, teu Deus, e as porás num cesto, e irás ao lugar que o SENHOR, teu Deus, escolher para ali fazer habitar o seu nome. [...] 5 Então, testificarás perante o SENHOR, teu Deus, e dirás: Arameu prestes a perecer foi meu pai, e desceu para o Egito, e ali viveu como estrangeiro com pouca gente; e ali veio a ser nação grande, forte e numerosa. 6 Mas os egípcios nos maltrataram, e afligiram, e nos impuseram dura servidão. 7 Clamamos ao SENHOR, Deus de nossos pais; e o SENHOR ouviu a nossa voz e atentou para a nossa angústia, para o nosso trabalho e para a nossa opressão; 8 e o SENHOR nos tirou do Egito com poderosa mão, e com braço estendido, e com grande espanto, e com sinais, e com milagres; 9 e nos trouxe a este lugar e nos deu esta terra, terra que mana leite e mel. 10 Eis que, agora, trago as primícias [dízimas] dos frutos da terra que tu, ó SENHOR, me deste. Então, as porás perante o SENHOR, teu Deus, e te prostrarás perante ele. 11 Alegrar-te-ás por todo o bem que o SENHOR, teu Deus, te tem dado a ti e a tua casa, tu, e o levita, e o estrangeiro que está no meio de ti.” (Dt 26:1-2; 5-11, grifo nosso).

 

Por fim, a última finalidade do dízimo era ensinar o temor a Deus. De algum modo, o Senhor sabe que o cumprimento de suas ordenanças sempre custa algo ao homem (esforço, deslocamento, tempo e dedicação) e isso é uma demonstração de temor e reverência diante do Soberano. Atos de fidelidade somente são realizados por quem teme a Deus. Quem não teme ao Senhor não se importa com os seus preceitos e apenas enxerga suas condições pessoais. Seja como for, o próprio Deus disse aos hebreus que, ao recolherem os dízimos e ao levá-los ao local indicado, assim estariam aprendendo a temer a Deus, como constatamos no seguinte trecho do livro de Deuteronômio:

 

"23 E, perante o Senhor, teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome, comerás os dízimos do teu cereal, do teu vinho, do teu azeite e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer o Senhor, teu Deus, todos os dias. (Dt 14:23, grifo nosso).

 

Em resumo, os dízimos tinham o propósito de fazer justiça aos sacerdotes e levitas, que deveriam ser sustentados pelas tribos de Israel em contrapartida aos serviços que prestavam a todo o povo, seja no santuário, no altar, na tenda da congregação ou na prestação de atividades públicas. Mas, do ponto de vista do ofertante dizimista era um aprendizado sobre o temor a Deus e uma cerimônia memorial de alegria e gratidão por todo o bem que o Senhor havia feito ao povo. Afinal, se Deus não os tivesse livrado, sustentado e dado a terra, nada teriam a levar naquele momento.

 

A finalidade do dízimo, sob a Lei, pode ser expressa em três palavras: justiça, gratidão e temor!

 

Texto extraído do Capítulo 3 do livro "Dízimos e Ofertas: pretextos dos impiedosos".